Dança Afro
Texto
Análise
Nome dado à dança baseada na gestualidade litúrgica afro-brasileira. A dança afro apresenta um cenário coreográfico coeso e multifacetado.
A formação da dança afro no Brasil dá-se a partir da atuação de coreógrafos e seus discípulos que, juntos, alimentam processos múltiplos de criação. Entre os que contribuem para a criação de repertório coreográfico e metodologia de ensino associados a esse estilo de dança, destacam-se a bailarina carioca Eros Volúsia (1914-2004), que burila corporalidades afrodescendentes em suas criações; o babalorixá baiano Joãozinho da Goméia (1914-1971), que apresenta danças de orixás em palcos de teatro; e a bailarina fluminense Mercedes Baptista (1921-2014). Deve-se registrar a passagem pelo Brasil, em 1951, da bailarina e antropóloga estadunidense Katherine Dunham (1909-2006), referência na história da dança moderna afro-americana.
Esse gênero constitui-se como dança de palco pela ação de dançarinos majoritariamente negros, que, aos poucos, assumem a criação coreográfica, afastando-se da reprodução de danças rituais e populares. Embora a influência mais evidente provenha das danças de orixás, em suas mais distintas tradições (jeje-nagô, queto, angola, caboclo, mina, entre outras), as coreografias resultam da convergência de saberes variados: variações do samba, danças populares regionais (o jongo, a congada, o maracatu, o caboclinho, o coco, o frevo, o bumba meu boi etc.), movimentos da capoeira, dança moderna americana e dança clássica.
A dança afro procura escapar das apresentações de caráter exótico, carnavalesco ou folclorizante. Estigmatizada como manifestação da cultura popular, vista como natural, autêntica e típica, raramente esse gênero de dança é reconhecido como constituidor de uma tradição, detentor de treinamentos constituídos e elaborações técnicas legítimas. A naturalidade que lhe é conferida resulta de processos de hibridização e requer anos de preparo: a dança é treinada para parecer instintiva, conduzida no chão de terra ou amparada por barras em sala de aula.
A composição da dança afro possui diversas matizes corporais e cênicas. Entre as expressões mais representativas, destacam-se o Balé Folclórico Mercedes Baptista e o grupo Brasiliana, criados no Rio de Janeiro, na década de 1950. Em Salvador, distingue-se o Balé Folclórico da Bahia, que atualiza os modelos cênicos e coreográficos do Grupo Viva Bahia e da companhia Brasil Tropical, surgidos, respectivamente, nos anos 1960 e 1970. Propostas mais experimentais – como as do grupo Odundê, criado em 1981, na Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia, ou dos bailarinos baianos Rosângela Silvestre (1959) e Augusto Omolú (1962-2013) – apontam novos vetores de criação artística. Em São Paulo, o trabalho desenvolvido pelo coreógrafo baiano Firmino Pitanga (1954) e pelo maranhense Irineu Nogueira (1967) também merecem destaque.
Apesar das precárias condições de trabalho enfrentadas por muitos coreógrafos, a dança afro constitui prática de resistência e assegura maneiras de aprendizagem e transmissão artística. A ação singular, os desejos e o comprometimento de cada intérprete permeiam espaços distintos: grupos folclóricos, projetos educacionais nas periferias urbanas, ações culturais da militância negra, cultos das religiões afro-brasileiras, agremiações de samba e estúdios de dança. Essa atuação variada subjetiva-se em processo de criação de intérpretes-criadores independentes, questiona os clichês, reclama pelo reconhecimento da crítica especializada e reivindica espaço nos departamentos das universidades e grandes teatros.
Algumas abordagens, entretanto, fixam modelos de produção que contribuem para a segregação dentro do campo geral da dança e acentuam estigmas e depreciações. Em contrapartida, essa diferenciação garante acesso a políticas afirmativas do Estado no incentivo à cultura afrodescendente. Há o esforço entre alguns criadores de reconhecer a especificidade da dança afro, sem desconsiderar que ela é formada pela fusão de vários elementos – como, por exemplo, o diálogo com a dança moderna e contemporânea e a formação eclética de seus intérpretes –, o que demonstra o caráter heterogênio capaz de integrá-la em diversos circuitos.
Longe pregação ideológica, a dança afro auxilia na formação educacional de jovens marginalizados, questiona a discriminação racial e a intolerância religiosa e retoma a mobilização social para o enaltecimento da cultura e da arte africanas.
Alguns ações localizadas garantem a divulgação e a visibilidade desse gênero de dança: o Encontro Internacional de Dança Negra (Eidan), realizado em Salvador, em 2008; a sexta edição do Festival de Arte Negra (FAN), em Belo Horizonte, em 2012; a 22a edição do Festival de Dança do Triângulo, em Uberlândia, em 2010, cujo tema foi o corpo negro e suas identidades; o Fórum Dança e Cultura Afro-Brasileira, em 2009, e a Semana Negra de Dança em 2010, realizados no Rio de Janeiro; as duas primeiras edições de Dançando Nossas Matrizes (DNM), evento organizado por um coletivo de artistas e produtores de danças afro-brasileiras, em Salvador, em 2011.
Entre outras ações, destacam-se a revista virtual Terreiro Contemporâneo, organizada pela Cia. Rubens Barbot Teatro de Dança; o Terreiro Contemporâneo de Dança e a Cia. SeráQuê, ambos coordenados pelo bailarino e coreógrafo Rui Moreira (1963), em Belo Horizonte; e o Centro de Articulações e Referência em Dança Negra (Cardan), organizado pelo bailarino Elísio Pitta (1956), em Salvador. Esses dois últimos artistas esforçam-se para construir um acervo documental sobre profissionais e atividades na área da dança afro contemporânea. O maior entrave desse projeto é sua preservação e continuidade.
Fontes de pesquisa 11
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- FERRAZ, Fernando Marques Camargo. O fazer saber das danças afro: investigando matrizes negras em movimento. Dissertação (Mestrado em Artes) – Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2012.
- LIMA, Nelson. Dando conta do recado: a dança afro no Rio de Janeiro e suas influências. Dissertação (Mestrado) Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1995.
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- MONTEIRO, Marianna F. Martins. Dança popular: espetáculo e devoção. São Paulo: Terceiro Nome, 2011.
- OLIVEIRA, Nadir Nóbrega. Agô alafiju, odara! A presença de Clyde Wesley Morgan na Escola de Dança da UFBA 1971-1978. Salvador: Editora P&A, 2007.
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- OLIVEIRA, Nadir Nóbrega. Grupos parafolclóricos baianos: olhar o passado e entender o presente para redimensionar o futuro. Revista da Bahia: Dança. Salvador, n. 41, p. 4-15, nov. 2005. p.4-15
- ROBATTO, Lia; MASCARENHAS, Lúcia. Passos da Dança: Bahia. Salvador: Casa de Jorge Amado, 2002.
- SABINO, Jorge e LODY, Raul. Danças de matriz africana: antropologia do movimento. Rio de Janeiro: Pallas, 2011.
- SANTOS, Inaicyra Falcão dos. Corpo e ancestralidade: uma proposta pluricultural de dança-arte-educação. Salvador: Editora da Ufba, 2002.
Como citar
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DANÇA Afro.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022.
Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo14328/danca-afro. Acesso em: 28 de maio de 2022.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7