Título da obra: Úrsula

Maria Firmina dos Reis (São Luís, Maranhão, 1822 – Guimarães, Maranhão, 1917). Romancista, contista, poeta e professora. Primeira mulher negra a publicar um romance no Brasil, Maria Firmina dos Reis é considerada precursora das literaturas abolicionista e afro-brasileira. Apesar de não integrar o círculo social de intelectuais maranhenses, do qual não participam mulheres e pessoas negras, conquista reconhecimento social em vida.
Cresce em sua cidade natal e, a partir de 1827, passa a morar na vila de São José dos Guimarães. Sente-se isolada durante a infância, o que lhe provoca um sentimento permanente de mal-estar – os “queixumes” são registrados em seu diário, redigido entre 1853 e 1903, o primeiro escrito por uma mulher publicado no Brasil. Acredita-se que recebe sólida educação, ainda que modesta e informal, da família, dada a precariedade do ensino público maranhense para meninas naquela época. Em 1847, aprovada em exame público, é nomeada professora de primeiras letras de Guimarães.
Publica, em 1860, Úrsula, que narra o trágico destino de um triângulo amoroso na sociedade patriarcal escravista brasileira. O romance se vale da técnica do encaixe para dar voz a personagens cativos: a narração é interrompida para que tomem a palavra. Trata-se da primeira obra da literatura nacional em que negros escravizados falam e refletem por si. A autora estreante recebe algum reconhecimento da imprensa local, tornando-se, a partir de então, colaboradora de diversos jornais maranhenses, como Pacotilha, Semanário Maranhense, A Verdadeira Marmota e Almanaque de Lembranças Brasileiras.
A visão crítica da sociedade patriarcal surge também em Gupeva, em que o apaixonamento entre uma indígena brasileira e um navegador francês serve ao retrato dos sofrimentos infligidos a uma mulher nativa que, levada à França, é seduzida e desprezada por um nobre europeu. A novela, publicada em folhetins, sai entre 1861 e 1862 em O Jardim das Maranhenses, e é republicada nos jornais Porto Livre, em 1863, e Eco da Juventude, em 1865. Aspectos da estética romântica, como a valorização do elemento e da paisagem nacional, o culto a sentimentos e ideais de pureza e trajetórias assinaladas pela desventura, marcam este e outros trabalhos da autora.
Escreve também poemas, reunidos em Cantos à Beira-mar (1871), em que a inspiração romântica dá forma a um eu quase sempre feminino às voltas com o sentimento de solidão diante de um mundo no qual não há lugar para sua sensibilidade, como neste trecho de “Melancolia”: “Sim, poetisa – mais te vale a morte / Na flor da vida – a sepultura, os céus… / Porque na terra teu sofrer, tuas mágoas, / Martírios, dores só compreende – Deus”.
Em 1880, recebe o título de Mestra Régia em História da Educação Brasileira e funda uma escola gratuita de ensino misto, gerando escândalo em uma época em que meninos e meninas são separados na escola. Especula-se que, por essa razão, é obrigada a fechar o estabelecimento no ano seguinte. Também em 1881, aposenta-se, mas segue atuando como professora, ensinando a filhos de lavradores e fazendeiros no povoado de Maçaricó, em Guimarães.
Compõe canções, como a letra de “Valsa”, com música do poeta Gonçalves Dias (1823-1864), e também a letra e música de “Auto de Bumba-Meu-Boi”, “Pastor Estrela do Oriente” e “Hino à Liberdade dos Escravos”, esta última por ocasião da abolição da escravatura, conforme trecho: “Salve Pátria do progresso! / Salve! Salve Deus da Igualdade! / Salve! Salve o sol que raiou hoje, / Difundindo a Liberdade! / Quebrou-se enfim a cadeia / Da nefanda Escravidão! Aqueles que antes oprimias, / Hoje terás como irmão”.
O tema da escravidão também se apresenta no conto “A Escrava”, publicado em 1887 na Revista Maranhense, narrado por uma mulher de posicionamento antiescravista. Em um salão, ela relata seu encontro com dois escravizados, mãe e filho, o que lhe permite dar voz aos sofrimentos por eles vividos e aos esforços para se verem libertos de sua condição. Mais uma vez, o foco recai sobre o drama humano da escravidão, o que distancia Maria Firmina de outros autores abolicionistas, como Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) e Bernardo Guimarães (1825-1884), que defendem o fim da escravidão por se tratar de uma corrupção da família brasileira.
A autora de Úrsula, pelo pioneirismo de suas iniciativas e posições, é comparada a Nísia Floresta (1810-1885), autora de Dedicação de Uma Amiga (1850), o primeiro romance escrito por uma mulher no Brasil, que também atua em defesa dos direitos das mulheres, indígenas e escravizados.
A obra de Maria Firmina circula desde a publicação até a morte da autora, e é resgatada do esquecimento apenas na década de 1970, quando é lançada a biografia Maria Firmina dos Reis: fragmentos de uma vida (1975), de José Nascimento Morais Filho, que inclui vários de seus escritos e fragmentos do diário, sob o título de “Álbum”. A partir de então, Úrsula e seus demais textos ganham reedições e recebem atenção crescente de especialistas.
Mulher negra pioneira como autora, precursora da literatura abolicionista e fundadora da literatura afro-brasileira, Maria Firmina dos Reis é considerada um caso único na história e na cultura brasileira, pelo modo como se estabelece culturalmente na sociedade patriarcal e escravista brasileira do século XIX, surgindo, posteriormente, como um ícone de resistência.
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