Artigo sobre Tv Para Crer

Sérgio Marcus Rangel Porto (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1923 - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1968). Cronista, humorista, jornalista. Estuda arquitetura até o terceiro ano, abandonando o curso ao ingressar no Banco do Brasil, onde permanece por 23 anos. Nesse mesmo período inicia a carreira jornalística em periódicos como Tribuna da Imprensa, Diário da Noite, O Jornal, A Carapuça e revistas como Manchete, Fatos & Fotos, O Cruzeiro, Mundo Ilustrado, entre outras. Com o pseudônimo Stanislaw Ponte Preta - homenagem ao personagem Serafim Ponte Grande, do escritor Oswald de Andrade (1890-1954) -, criado durante sua colaboração para o Diário Carioca, assina a coluna Reportagem de Bolso, destaque de última página do jornal Última Hora. Além de atuar como cronista e autor satírico, dedica-se a atividades variadas, como comentarista esportivo e redator humorístico, nas Rádios Mayrink Veiga e Guanabara, no Rio de Janeiro; apresentador, redator e locutor, em programas de televisão; e roteirista de chanchadas. Em 1953, a convite do Ministério da Educação, escreve Pequena História do Jazz, a primeira do gênero publicada no Brasil. Alcança sucesso editorial com os três volumes de Febeapá - Festival de Besteira que Assola o País, título que parodia o uso de siglas pela ditadura militar, publicados em 1966, 1967 e 1968. Em julho de 1968, no intervalo da apresentação do Show do Crioulo Doido, de sua autoria, é vítima de uma tentativa de envenenamento - que atribui a terroristas de orientação política direitista. Morre no Rio de Janeiro, em setembro do mesmo ano, após sofrer três enfartes.
Sobretudo por meio do heterônimo Stanislaw Ponte Preta, criado em 1951, Sérgio Porto colabora em diferentes veículos de imprensa no momento em que se forma a indústria cultural no Brasil. Tendo atuado em diferentes mídias - jornal, revista, rádio, televisão e cinema -, deixa registradas em suas crônicas impressões diversas a respeito das novas linguagens e dos novos modos de percepção da realidade.
Exercitando principalmente a sátira - dirigida a todos os setores da sociedade e, a partir de 1964, em especial ao estado autoritário -, o narrador de Ponte Preta apropria-se de diferentes textos e discursos, buscando evidenciar as inconsistências das formulações ideológicas. Um de seus alvos centrais é o que chama de a linguagem dos "entortados literários", caso dos repórteres policiais e dos locutores esportivos, cujo estilo parodia com base em recursos como o plural de modéstia ("nós", no lugar de "eu") e em vocábulos raros como "amásio" (em substituição a "amante").
A crônica Repórter Policial (Primo Altamirando e Elas, 1962) fornece a chave para se compreender um dos objetivos dessa sátira. Ponte Preta relata o episódio vivido por Altamirando, personagem recorrente em seus textos, durante colaboração para um jornal. Diante da recusa do secretário de redação em enviar um fotógrafo para registrar o "furo" que conseguira, pois não se tratava de algo suficientemente sangrento, Altamirando afirma: "Mande o fotógrafo que, até ele chegar, eu dou jeito de arrancar a cabeça do falecido". Os meios empregados pelos veículos de comunicação para chamar a atenção do leitor a qualquer preço são exagerados até a inverossimilhança, compondo, assim, a denúncia.
Já a crônica Cara ou Coroa, publicada em Rosamundo e os Outros (1963), ilustra como o autor busca provocar no leitor o distanciamento crítico em relação a construções oferecidas como inquestionáveis. Trata-se de sentenças fundamentadas em lugares-comuns que, ao serem organizadas em pares, sugerem a automação e a falsidade dos discursos. Uma formulação como: "O aumento do custo de vida no Brasil é uma consequência lógica do desenvolvimento do país, insuflado pelo crescimento da população e outros fenômenos dos quais só podemos nos orgulhar". A oração que parece uma leitura positiva do cenário econômico é na verdade carregada de ironia, e leva o leitor a questionar-se sobre seu real significado. Se compreendida em suas linhas gerais, a composição exemplifica o movimento fundamental dessa obra: a partir da deformação linguística, o discurso satírico evidencia as contradições de modelos idealizados. A incorporação do estereótipo, manifestada em diversos níveis, permite que o leitor se distancie da representação, adotando um olhar crítico diante da forma como se oferecem os papéis sociais.
Essa função é exercida também pelas figuras que frequentam as crônicas de Ponte Preta, entre as quais está Primo Altamirando. Embora caricaturais, os personagens revelam sobre o evento narrado aspectos dificilmente notáveis pela percepção habitual. Tia Zulmira realiza as principais intervenções nesse sentido. Composta com base em uma sabedoria acentuada, é apresentada como professora do escritor francês André Gide (1869-1951) e noiva de Charles Darwin (1809-1882). E, embora seja personagem de um perfil publicado no primeiro livro de Ponte Preta (ao qual, aliás, dá nome: Tia Zulmira e Eu, 1961), jamais chega a participar das tramas.
Com Garoto Linha Dura (1964), Sérgio Porto inaugura as obras que têm como objetivo a crítica aos abusos cometidos a partir do golpe militar e que encontram seu ápice nos três livros da série Febeapá - Festival de Besteira que Assola o País. Nesses volumes, os eventos narrados revelam a presença do autoritarismo, do "dedurismo", da hipocrisia e violência no cotidiano - seguindo a lógica de um episódio que o narrador identifica como exemplar. Diante dos frequentes subornos a guardas, o Serviço de Trânsito decide emitir todas as multas veiculares em três vias. Ponte Preta afirma: "Em todo lugar do mundo, quando o guarda é subornável, muda-se o guarda. Aqui, muda-se o talão. É a subversão a serviço da corrupção".
Com a própria assinatura, Sérgio Porto publica, em 1958, Homem ao Lado, crônicas reeditadas em 1963, sob o título A Casa Demolida, e os contos de As Cariocas, em 1967. Embora o humor não esteja ausente desses escritos, a tendência predominante é memorialista. No caso do primeiro título, pela presença constante da nostalgia. No do segundo, porque, ao explorar a moderna condição feminina com base em variados tipos de mulher, o autor compõe o retrato das mudanças sociais ocorridas no Rio de Janeiro do século XX.
Boate Bodegon
Fundação Casa França-Brasil (Rio de Janeiro, RJ)
Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP)
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