Artigo sobre Guerreiros do Sol (1996 : São Paulo, SP)

Itaú Cultural
Jaime Coimbra Junior (Campinas, São Paulo, 1925 – São Paulo, São Paulo, 2007). Diretor, montador, roteirista, produtor. Na adolescência em Campinas, trabalha em escritório de cinema e canta na rádio local. A partir de 1949, assume funções diversas nas rádios Tamoyo e Tupi e tenta consolidar carreira como artista de rádio no Rio de Janeiro, sem sucesso. Também é correspondente cinematográfico da revista Palmeiras, figurante em filmes da Atlântida e assistente de direção de Luzes nas Sombras (1953), filme dirigido por Carlos Ortiz (1910-1995) e Heládio Fagundes (1914 - ?).
Já em São Paulo, escreve e dirige os faroestes Armas da Vingança (1955), com Alberto Severi, vencedor do prêmio Saci, e Dioguinho (1957), em que também assina a montagem. Escreve o roteiro e assina a montagem do longa-metragem Cavalgada da Esperança: Padroeira do Brasil (1958), de Heládio Fagundes. Realiza, em seguida, Crepúsculo de Ódios (1959) e monta Fronteiras do Inferno (1958), de Walter Hugo Khouri (1929-2003), Rastros na Selva (1959), do italiano Mário Civelli (1923-1993), e A Moça do Quarto 13 (1961), do estadunidense Richard E. Cunha (1922-2005). Dirige, em 1960, o nordestern1 A Morte Comanda o Cangaço. Selecionado para o 11º Festival de Berlim, o filme é distribuído pela Cinedistri, de Oswaldo Massaini (1919-1994), com quem desenvolve longa parceria, iniciada com a montagem de O Pagador de Promessas (1962), de Anselmo Duarte (1920-2009).
Dirige, escreve e monta para a Cinedistri sete longas: os nordesterns Lampião, o Rei do Cangaço (1963), Cangaceiros de Lampião (1967) e Corisco, o Diabo Loiro (1969); as comédias O Santo Milagroso (1966) e Se Meu Dólar Falasse... (1970); o drama religioso A Madona de Cedro (1968); e o épico histórico Independência ou Morte (1972). Este, realizado em comemoração dos 150 anos da independência do Brasil, tem êxito de bilheteria e recebe elogios de Emílio Garrastazu Médici (1905-1985), presidente à época.
Nos anos 1970, volta a montar filmes de terceiros, como Idílio Proibido (1971), de Konstantin Tkaczenko (1925-1973); Ana Terra (1971), de Durval Garcia (1931); A Marcha (1972), de Oswaldo Sampaio (1912-1996); O Descarte (1973), de Anselmo Duarte e Elas São do Baralho (1977), de Silvio de Abreu (1942). Funda, em 1973, a produtora CSC Produções Cinematográficas para realizar o thriller O Signo de Escorpião (1974), seu maior fracasso, e o sucesso Iracema, a Virgem dos Lábios de Mel (1979). Realiza também, por encomenda, o policial O Homem de Papel (1976) e a aventura automobilística Os Campeões (1982). Sem conseguir viabilizar novos projetos para cinema, faz o especial televisivo A Guerra dos Farrapos (1986), para a TV Bandeirantes.
Carlos Coimbra inicia a carreira de diretor cinematográfico durante um vácuo criado na produção de São Paulo, em que a falência dos projetos de sistema de estúdio propicia oportunidades para filmes independentes. O sucesso financeiro de seus primeiros longas, leva-o para a Boca do Lixo, ainda em formação, que sedia quase todos seus trabalhos posteriores. Coimbra firma-se como um diretor de encomendas, nome de confiança de Oswaldo Massaini. Responsabiliza-se pelo controle de boa parte do processo, pela escrita do roteiro e pela montagem dos filmes. Com isso, adquire reputação e liberdade para escolher os projetos que lhe interessam, como filmes de ação, cangaço, comédia, romance histórico e drama.
Coimbra realiza A Morte Comanda o Cangaço, da produtora Aurora Duarte (1933), depois de fazer três filmes de cangaço com parcos recursos. Adapta a estrutura dos faroestes norte-americanos ao nordeste brasileiro, regido pela lei do sertão. O modelo estadunidense de confronto entre o bem e o mal, numa terra sem lei e prestes a ser civilizada, é reconstruído em cenário nacional. No filme, um modesto fazendeiro busca se vingar de um cangaceiro que destrói sua terra e degola sua mãe. O diretor inova ao realizar a história no sertão cearense, em Quixadá, captando a paisagem local, e ao filmar em cores, dando uma exuberância às imagens da terra árida, em que predominam matizes do vermelho, amarelo e do laranja.
Ainda que o longa O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto (1906-1982), seja o filme inaugural do ciclo do cangaço, apenas com A Morte Comanda o Cangaço que o gênero efetivamente se desenvolve, com produções realizadas nos anos 1960 e início dos 1970. Coimbra realiza ainda outros três filmes, com raízes históricas: Lampião, o Rei do Cangaço, Cangaceiros de Lampião e Corisco, o Diabo Loiro.
Cangaceiros de Lampião remonta à trama do filme de 1960, em que um fazendeiro busca vingança de cangaceiros bárbaros, em contexto posterior à morte de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (1898-1938). Já os dois outros compõem-se de cinebiografias sobre personagens notórios do cangaço. O cineasta parte de pesquisas e depoimentos, inclusive de Dadá (1915-1994), companheira de Corisco (1907-1940), para escrever o roteiro, e busca a “fidelidade da história”.
Para os filmes de cangaço, Coimbra utiliza uma estrutura narrativa diversa das demais produções. Em Lampião, o Rei do Cangaço, por exemplo, a história é contada em fragmentos por um cantador cego, o que confere uma dimensão mítica ao protagonista, e utiliza esculturas de Mestre Vitalino (1909-1963), filmadas em estúdio, para comentar a trama por meio das expressões das consagradas figuras de barro do artista. Em A Morte Comanda o Cangaço e Cangaceiros de Lampião, utiliza o retrato do cangaceiro truculento e vilão e, em Lampião... e Corisco.., o do homem obstinado e companheiro, ainda que violento.
Tal complexidade na composição do personagem histórico também está presente em Independência ou Morte. O filme aborda a vida do imperador D. Pedro I (1798-1834), seu romance com a Marquesa de Santos (1797-1867) e os episódios em torno da independência do Brasil em 1822. Coimbra arquiteta um herói falho e devasso, mais interessado em mulheres do que em política, e constrói uma independência acidental, de interesses espúrios, mesmo reproduzindo imagens míticas da fundação do Estado brasileiro.
O cineasta tem preferência por planos em movimento, com uso de carrinho e de lentes zoom, e cuidado na composição da mise-en-scène, sem prender-se a uma identidade cinematográfica autoral. Consolida-se como diretor de apuro técnico e visual e eficiente contador de histórias, preocupado em realizar um produto de qualidade com apelo popular.
1. Termo cunhado por Salvyano Cavalcanti de Paiva (1923-2000) para referenciar filmes do gênero faroeste, que se passam no nordeste brasileiro e têm cangaceiros como personagens.
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