Luiz Damasceno
Texto
Luiz Roberto Damasceno (Porto Alegre RS 1941). Ator e diretor. Forma-se, em 1967, no Curso de Arte Dramática da Universidade do Rio Grande do Sul - CAD/URGS, atual Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. É um dos principais atores da Companhia de Ópera Seca, dirigida por Gerald Thomas, com quem trabalha de 1986 a 1999.
Damasceno muda-se para São Paulo em 1970. Integra, em 1972, o elenco de Missa Leiga, de Chico de Assis, com direção de Ademar Guerra e produção de Ruth Escobar, espetáculo que se destaca no período da ditadura militar. No ano seguinte, viaja com essa montagem para Lisboa e Luanda, e atua em Godspell, dirigido por Altair Lima. Participa da montagem de Allegro Ma Non Troppo, texto elaborado por Célia Gouveia e Maurice Vaneau, em 1975, e de Carmem com Filtro, seu primeiro trabalho com o diretor Gerald Thomas, em 1986.
Nesse ano, Damasceno participa, ao lado das atrizes Bete Coelho e Magali Biff, da formação da Companhia de Ópera Seca, dirigida por Gerald Thomas. Em 1988, interpreta Gregor Samsa, personagem central de Uma Metamorfose, um dos espetáculos da Trilogia Kafka - composta ainda por Um Processo e Praga -, realizada pela companhia e baseada nos romances do escritor tcheco Franz Kafka. A trilogia estreia em São Paulo e faz temporada também no La MaMa, em Nova York. É apresentada como a principal atração do Wiener Festwochen, em Viena, e transmitida na íntegra pela ORF, TV estatal da Áustria. De acordo com o diretor da companhia, a trilogia "pretendia reativar visualmente a alegoria, a caricatura, o quase-cartum da literatura de Kafka".1 O texto narra a história de Gregor Samsa, que, certo dia, para desespero da família, acorda transformado em um inseto. A pesquisadora Sílvia Fernandes observa: "A opressão em Uma Metamorfose era narrada a partir do chão, onde se contorcia a personagem de Gregor Samsa, representada por Luiz Damasceno. A extrema flexibilidade do ator facilitava a execução do repertório de torções a que ele tinha que se submeter, entre ataduras e rastejamentos limitados ao cubo de dois metros quadrados".2
Para Damasceno, a exigência formal da escrita cênica de Thomas se constitui em um desafio e, ao mesmo tempo, em uma possibilidade de aquisição de novos potenciais de criação artística: a necessidade de compreensão da estrutura psicológica para a criação do ator vê-se substituída por um domínio artístico que permite a elaboração de personagens que agem, muitas vezes, sem um caminho psicológico claro e previamente definido. No programa da Trilogia Kafka consta um depoimento do ator acerca desse modo de representação e das dificuldades encontradas: "Antes [...] eu não conseguia trabalhar sem uma história, uma imagem, uma visualização em torno da personagem. Agora, com um trabalho muscular posso chegar a uma sensação, e o resultado é o mesmo de antes. Chorar ou rir em poucos segundos pode ser também uma questão de domínio muscular".3
Gerald Thomas concebe o espetáculo Nowhere Man, especialmente para Damasceno, em 1996. Essa produção viaja por vários países, terminando em Zagreb, na Croácia. Uma versão unplugged da peça é criada em 1999, o que abre novos caminhos para as pesquisas dos atores da companhia: todos os elementos do palco - quantidade enorme de luzes, grandes cenários etc. - são reduzidos apenas a figurinos de ensaio e a uma quantidade mínima de acessórios.
Nowhere Man, assim como outras criações de Thomas, apresenta uma história sem encadeamento rigoroso da trama. A enunciação múltipla aparece através das referências à trajetória de Fausto, aos autores James Joyce, Bernard Shaw, entre outros, fornecendo novas camadas de significação para a cena. A personagem principal, representada por Damasceno e que aos poucos revela suas mazelas ao público, é um artista de "lugar nenhum", lançado em um ambiente que lembra a devastação de um pós-guerra. Trata-se de um jogo pautado pela acuidade da concepção formal e que busca também incorporar à encenação a participação do intérprete como artista criador. Gerald Thomas complementa: "Nowhere Man não foi somente escrito para ele, e sim concebido para que ele, com a soma total desses dez anos de matrimônio, fizesse acontecer no palco uma versão bem mais humorada de um outro matrimônio, esse certamente mais complexo e mais místico, mais atemporal e mais clássico, entre Fausto e Mephisto".5
Em 1998, atua em Cão Andaluz, também dirigido por Thomas, espetáculo integrante do projeto Lorca na Rua, do Serviço Social do Comércio de São Paulo - Sesc/SP, que homenageia Federico García Lorca em seu 100º aniversário. Damasceno é o protagonista dessa encenação, montada sobre a carroceria de um caminhão e apresentada nas ruas de algumas cidades de São Paulo.
O ator trabalha com diretores como Sérgio Ferrara, Luiz Arthur Nunes, Felipe Hirsch, Bete Coelho e Vladimir Capella, a partir de 1998. Recebe o Prêmio Shell em 2005, por sua atuação em O Mercador de Veneza, de William Shakespeare, dirigido por Ferrara.
Na televisão integra o elenco dos programas Esse Ovo É um Galo e Projeto Telescola, da Rede Cultura, e das séries Amazônia, Minha Nada Mole Vida e Hoje É Dia de Maria, da Rede Globo. No cinema atua em Boleiros 2, direção de Ugo Giorgetti; Dois Córregos: Verdades Submersas no Tempo, direção de Carlos Reichenbach; e A Árvore dos Sexos, direção de Silvio de Abreu.
Desde 1985, é professor de interpretação na Escola de Arte Dramática da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - EAD/ECA/USP. Em sala de aula, Damasceno propõe experimentações que têm como referência autores e diretores como Peter Brook, Grotowski e Pina Bausch, além das idéias desenvolvidas pelo ator e diretor russo Stanislavski, sua fonte principal de pesquisa.
É possível notar em sua trajetória, seja pela ampla participação nas propostas cênicas de Gerald Thomas, seja pela experiência adquirida com diretores diversos, a formalização de uma linguagem própria, tensionada entre a origem de sua formação stanislavskiana e a necessidade de responder às exigências postas ao trabalho do ator pelos embates artísticos contemporâneos.
A intensa convivência entre Damasceno e Thomas leva o diretor a formular as seguintes impressões acerca do caminho trilhado pelo ator: "Tendo ele muitas vezes lutado contra o meu processo de desconstrução e de racionalização quanto ao resultado, acabou sendo obrigado a formalizar sua oposição, concretizando assim aspectos da interpretação que não necessariamente atravessariam seu caminho, tivesse ele seguido a trilha normal da 'construção de personagem' ".6
Notas
1. FERNANDES, Silvia. Memória e invenção: Gerald Thomas em cena. Perspectiva, 1996, p.21.
2. Idem. p.26.
3. PEREIRA, Edmar. Os atores: um equilíbrio de semelhanças e diferenças. Programa da Trilogia Kafka, 1988. In: FERNANDES, Silvia. Op. cit. p.26.
4. THOMAS, Gerald. Folha de S.Paulo, 6 out. 1999.
5. ___________. Programa da peça Nowhere man. Sesc, São Paulo, 1996.
6. Idem.
Espetáculos 61
Festivais 1
Fontes de pesquisa 16
- ANUÁRIO de teatro 1994. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1996. R792.0981 A636t 1994
- FERNANDES, Silvia. Memória e invenção: Gerald Thomas em cena. Perspectiva, 1996.
- LULU. São Paulo: Teatro Sesc Anchieta, 1974. 1 programa do espetáculo. Não catalogado
- MISSA Leiga. São Paulo: Fábrica da Lacta, 1972. 1 programa do espetáculo. Não catalogado
- Programa do Espetáculo - Aldeia Antigone - 1982. Não catalogado
- Programa do Espetáculo - Allegro Ma Non Troppo - 1975. Não catalogado
- Programa do Espetáculo - Asfaltaram a Terra - 2006. Não Catalogado
- Programa do Espetáculo - Carmem com Filtro - 1986. Não catalogado
- Programa do Espetáculo - Marat-Sade - 1979. Não catalogado
- Programa do Espetáculo - O Império das Meias Verdades - 1993. Não catalogado
- Programa do Espetáculo - Um Circo de Rins e Fígados - 2005. Não catalogado
- Programa do Espetáculo: A Louca de Chaillot, 2006. Não catalogado
- Programa do espetáculo - Educação Sentimental de Um Vampiro, 2007. Não catalogado
- Programa do espetáculo -Dois Irmãos. Não catalogado
- THOMAS, Gerald. Folha de S.Paulo, 6 out 1999. Ilustrada.
- ______. Programa da peça Nowhere man. SESC. São Paulo, 1996.
Como citar
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LUIZ Damasceno.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022.
Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa400483/luiz-damasceno. Acesso em: 17 de agosto de 2022.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7