Artigo sobre Chiquinha Gonzaga, Ó Abre Alas

Teatro Popular do Sesi (TPS)
Cleide Eunice Queiroz (Santos, São Paulo, 1940). Atriz e professora de expressão vocal. A experiência de uma década de teatro amador em Santos precede sua longa trajetória profissional nos palcos brasileiros, que inclui musicais, peças infantis e espetáculos de dança, além de participações na televisão e no cinema. Destaca-se pela força de sua presença cênica e de sua expressividade vocal.
Antes de iniciar a trajetória artística, Cleide, trabalha como secretária na Santa Casa de Misericórdia de Santos, ao lado da amiga Lizette Negreiros (1940), que a acompanha nos primeiros passos do percurso artístico. Juntas, ingressam no teatro amador em 1954, no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), e frequentam cursos gratuitos com encenadores como o polonês Zbigniew Ziembinski (1908-1978), o russo Eugenio Kusnet (1898-1975) e o diretor de teatro Ademar Guerra (1933-1993). O trabalho mais importante dessa fase amadora é uma montagem de A Invasão, de Dias Gomes (1922-1999), dirigida por Afonso Gentil, em 1968, e proibida pela censura do regime militar.
Novamente juntas, estreiam no teatro profissional em 1969, em companhia do ator Paulo Autran (1922-2007), na peça Morte e Vida Severina, baseada no poema de João Cabral de Mello Neto (1920-1999). Cleide chama a atenção do diretor Silnei Siqueira (1934-2013), por conhecer previamente as canções, e assume o papel da Anunciação da Morte. Além disso, as duas atrizes contrapõem as feições europeias predominantes em uma peça que representa a dor causada pela seca no sertão brasileiro. Bem-sucedido, o espetáculo percorre o país e chega a ter mais de 5 mil espectadores em uma sessão.
Cleide permanece em São Paulo em busca de outros trabalhos e atua em peças como O Comprador de Fazendas (1970), musical dirigido por Dulcina de Moraes (1908-1996). Para enfrentar a falta de personagens para mulheres negras no teatro brasileiro, estuda voz e canto, frequenta aulas de dança em estilos diversos, como sapateado, balé clássico e contemporâneo, e trabalha com teatro infantil.
Em 1977, entra para o corpo de baile do Teatro Popular do Serviço Social da Indústria (TPS), dirigido por Osmar Rodrigues Cruz (1924-2007), com quem realiza um repertório focado em textos brasileiros e musicais, como O Poeta da Vila e Seus Amores (1977), do escritor Plínio Marcos (1935-1999), dedicado ao compositor Noel Rosa (1910-1937), e Chiquinha Gonzaga, Ó Abre Alas (1983), da autora portuguesa Maria Adelaide Amaral (1942). Na década de 1980, faz suas primeiras participações no cinema, em filmes como Pixote, a lei do mais fraco (1980), dirigido por Hector Babenco (1946-2016), e A Hora da Estrela (1985), de Suzana Amaral (1928-2020).
Em 2001, recebe indicação ao Prêmio Shell ao representar Joana, a protagonista da peça Gota d’Água (2001). A construção da personagem se espelha em depoimentos de mulheres vítimas de violência nos rincões do país, “que preferem ver os filhos mortos a passarem fome ou secam o choro com a raiva acumulada dos homens que lhes abandonam”1. O texto, do dramaturgo Paulo Pontes (1940-1976) e do escritor e compositor Chico Buarque (1944), tem direção de Gabriel Villela (1958). Ao tom do expressionismo requerido pelo encenador, Cleide responde com a composição de uma personagem exacerbada e feroz, de postura rígida e voz gutural, cujos olhos se arregalam e o fôlego é arquejante. Recepções críticas celebram a atuação de Cleide, a exemplo do crítico Sérgio Sálvia Coelho (1964), que reconhece uma “vivência profunda de Joana” em meio a “marcações externas e decorativas”2.
Nessa década, a atriz faz outros trabalhos para o cinema, com destaque para Domésticas (2001), dirigido por Fernando Meirelles (1955) e Nando Olival, que lhe rende o prêmio de melhor atriz no Festival de Cinema do Fortaleza, e participa ainda de telenovelas no SBT e na Globo, como A Favorita (2008-2009).
É escolhida pelo coreógrafo Ismael Ivo (1955) para ser a única atriz entre bailarinos no espetáculo de dança Erêndira (2005), inspirado na obra do escritor colombiano Gabriel García Marquez (1927-2014) e apresentado na Bienal de Veneza daquele ano. O trabalho é retomado em Viena, na Áustria, em 2014, em versão ampliada, com três dezenas de bailarinos com os quais Cleide interage em texto e canto.
Ainda em 2014, integra o elenco de Nas Alturas – um Musical da Broadway, versão brasileira de In the Heights, dirigida por André Dias, como a “abuela” (avó) latina. Sua maturidade artística destaca-se em meio ao elenco jovem.
Em 2017 celebra cinco décadas de carreira profissional com seu primeiro monólogo, Palavra de Stela, dirigido por Elias Andreato (1955). A história de Stela do Patrocínio (1941-1992), poeta internada por 30 anos na Colônia Juliano Moreira com diagnóstico de esquizofrenia, enlaça-se à da mãe biológica da atriz, entre rememorações das alucinações maternas, de episódios alegres e violências sofridas na infância.
Ávida aprendiz, Cleide Queiroz dedica a vida a aperfeiçoar a expressão corporal e vocal para fazer do teatro a sua forma de vida, enfrentando as restrições da discriminação racial com sua intensa presença cênica. A atriz confere expressividade e densidade às personagens, parte significativa delas marcada pelo sofrimento decorrente de exclusões sociais.
1. SANTOS, Valmir. Medéias sob medida. Folha de S.Paulo, São Paulo, 13 set. 2001. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1309200106.htm.
2. COELHO, Sérgio Sálvia. Villela faz da peça uma impostura kitsch. Folha de S.Paulo, São Paulo, 22 set. 2001. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2209200122.htm.
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