Título da obra: O Pagador de Promessas


Reprodução Fotográfica Horst Merkel
Dias Gomes
,
1979
Registro fotográfico autoria desconhecida
Alfredo de Freitas Dias Gomes (Salvador, Bahia, 1922 - São Paulo, São Paulo, 1999). Dramaturgo, romancista, contista e roteirista de cinema, rádio e televisão. Aos quinze anos, escreve a primeira peça, A Comédia dos Moralistas (1937), premiada pelo Serviço Nacional do Teatro (SNT). Em 1943, ingressa na faculdade de direito, no Rio de Janeiro, mas não conclui a graduação. Entre o fim dos anos 1930 e o início da década de 1940, redige os textos reunidos no livro Peças da Juventude. Em 1942, estreia no teatro profissional com a peça Pé-de-Cabra, depois de cortes no texto feitos pela censura. A peça, encenada por Procópio Ferreira (1898-1979), rende-lhe contrato de exclusividade com o ator, para quem escreve mais cinco textos. Divergências ideológicas encerram a parceria. A convite do dramaturgo Oduvaldo Vianna (1892-1972), trabalha na Rádio Panamericana em São Paulo. Em 1945, com o fim do Estado Novo, filia-se ao Partido Comunista e participa de seu Comitê Cultural. Volta ao Rio de Janeiro em 1950 e trabalha na Rádio Clube do Brasil. Em 1953, viaja à União Soviética com uma delegação de intelectuais brasileiros. No retorno ao Brasil, é demitido da Rádio Clube e perseguido. Sob anonimato, escreve programas para a ainda incipiente televisão. Seus textos são negociados por outras pessoas, entre elas, a esposa Janete Clair (1925-1983). Distante dos palcos durante uma década, retorna com a peça Os Cinco Fugitivos do Juízo Final (1954). Recém-saído da lista negra da repressão, assume cargo na Rádio Nacional em 1956, onde permanece até 1964, quando é demitido pelo governo militar.
A segunda fase de sua obra inicia-se com O Pagador de Promessas, texto encenado no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), em 1960, e adaptado para o cinema por Anselmo Duarte (1920-2009) em 1962. A peça é considerada uma das obras-primas da moderna dramaturgia brasileira. A ela, seguem-se A Invasão (1962), A Revolução dos Beatos (1962), O Berço do Herói (1965) e Dr. Getúlio, Sua Vida, Sua Glória (1968). Em 1969, é contratado pela TV Globo e redige novelas e seriados, dos quais se destaca Roque Santeiro (1975), proibida pela Censura Federal e gravada somente uma década depois, em 1985. Nos anos 1970, escreve também Campeões do Mundo (1979) e, em meados dos anos 1980, participa da fundação, pela TV Globo, da Casa de Criação Janete Clair, centro dedicado à pesquisa da teledramaturgia.
Criador de uma das mais representativas obras do teatro brasileiro moderno, Dias Gomes desempenha papel fundamental na consolidação da nova dramaturgia brasileira, iniciada a partir dos anos 1950 com as peças do dramaturgo Jorge Andrade (1922-1984) e as experiências do Teatro de Arena em São Paulo.
O ensaísta Anatol Rosenfeld (1912-1973) estabelece alguns critérios fundamentais para a leitura das peças do dramaturgo. Chama a atenção para a “unidade fundamental” que define o teatro de Dias Gomes – ainda que marcado pela variedade de formas dramáticas, baseado no empenho em valores humanos, que não condizem com a realidade do Brasil e do mundo. Outro traço marcante é o teor popular, sensível na escolha de temas e personagens típicos e no uso de linguagem coloquial. Rosenfeld também assinala a presença de temáticas como a crise do herói na modernidade e o misticismo popular, com implicações religiosas e político-sociais.
A historiadora Iná Camargo Costa abre outras perspectivas de leitura para a obra de Dias Gomes. Destaca os momentos em que as peças do escritor oscilam, ora trabalhando com recursos caros à dramaturgia épica, ora cedendo às formas tradicionais do drama. A autora também identifica os momentos em que o discurso entra em sintonia com a ideologia do nacional-popular – tendência estético-política preponderante na arte de esquerda produzida no país nas décadas de 1960 e 1970.
As primeiras peças de Dias Gomes apontam os futuros caminhos de sua dramaturgia, que encontra meios expressivos adequados na segunda fase de sua obra teatral. Temas caros à dramaturgia política – como greve operária, cangaço e preconceito de cor, presentes na primeira fase – anunciam o desejo de equacionar os problemas do “homem brasileiro” e da realidade do país. Dessa fase, destacam-se Pé-de-Cabra, Eu Acuso o Céu (1943) e Os Cinco Fugitivos do Juízo Final.
O Pagador de Promessas inaugura a segunda fase do autor. A peça narra a história de Zé do Burro, pequeno proprietário de terras no interior da Bahia que, determinado a cumprir uma promessa, carrega uma enorme cruz até uma Igreja de Salvador. Quando chega à cidade, enfrenta a intolerância de um padre que o acusa de herege. Personagem de um mundo arcaico, Zé do Burro é, segundo Rosenfeld, um herói de traços míticos que naufraga diante dos padrões de sociabilidade do mundo moderno.
A Invasão é herdeira do interesse naturalista pela problemática social. Por meio de recursos épicos, conta a história de um grupo de favelados que ocupa um edifício abandonado no Rio de Janeiro. Vários espaços simultâneos compõem o cenário da peça, marcada pela presença de um narrador oculto que orienta o foco sobre a cena, utilizando-se de uma técnica semelhante a um mural.
Dias Gomes retoma o misticismo popular em A Revolução dos Beatos, encenando os aspectos dúbios do fanatismo religioso e sua manipulação pelas forças políticas. Em diálogo com O Pagador de Promessas, toma como cenário o sertão nordestino, no início da década de 1920, marcado pelo conflito entre coronéis, políticos e cangaceiros, pela miséria e pelo messianismo. A peça trabalha com personagens históricos e com o mundo folclórico do bumba-meu-boi.
O Berço do Herói filia-se a uma das melhores tradições do teatro moderno, representada por Um Inimigo do Povo, do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen (1828-1906), e A Visita da Velha Senhora, do suíço Friedrich Dürrenmatt (1921-1990). Conta a história de um estudante desertor da Segunda Guerra. Ao retornar à cidade natal, descobre que, para preservar a imagem do exército, é dado como morto. Seu regresso põe em risco a vida do lugar, pois o mito de sua morte promove o progresso local. Decidido a se livrar da farsa, sobre a qual incorrem corrupção moral e interesses econômicos, ele luta pela liberdade de não ser herói. No contexto da história, a inversão de valores tem feições tragicômicas – a “vida” da cidade depende da manutenção da morte.
Dr. Getúlio, Sua Vida, Sua Glória assinala condição inédita na carreira de Dias Gomes. Pela primeira vez, o dramaturgo participa de projeto colaborativo com artistas egressos do Centro Popular de Cultura (CPC) e, após o golpe militar, integrantes do grupo Opinião. A peça é escrita em parceria com o poeta Ferreira Gullar (1930-2016) e recorre ao enredo carnavalesco para representar a saga de Getúlio Vargas. Apropriando-se da forma da “peça dentro da peça”, os autores fundem dois planos de ação que dialogam em jogo de espelhos. Enquanto um personagem narra a história de Vargas em clima de samba-exaltação, nos bastidores da escola corre o drama da luta entre seu presidente e um bicheiro.
Campeões do Mundo recoloca a ação dramática no centro da narrativa teatral. Disposto a debater a experiência da luta armada, o autor baseia-se no episódio do sequestro do embaixador americano nos anos 1970. O casal que participou da ação rememora, em tom de autocrítica, suas posturas. Com jogo de flashbacks e projeções temporais, a peça desenvolve-se em clima de romance policial.
Reprodução Fotográfica Horst Merkel
Registro fotográfico autoria desconhecida
Teatro Brasileiro de Comédia (TBC)
Teatro de Santa Isabel
Teatro Brasileiro de Comédia (TBC)
Teatro Jovem
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