Priscila Rezende
Texto
Priscila Rezende Pinto (Belo Horizonte, Minas Gerais, 1985). Artista visual e performer. Faz do seu corpo a matéria para suas criações artísticas, problematizando a inserção e a presença do indivíduo negro na sociedade brasileira, a partir de um diálogo direto com o público por meio da performance.
Em 2011, forma-se em artes plásticas com habilitação em fotografia e cerâmica pela Escola Guignard, da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG). Durante a graduação inicia seus estudos em performance com o artista Marcos Paulo Rolla (1967), dedicando-se à investigação do seu corpo feminino negro, confrontando as limitações impostas socialmente por meio de ações corporais viscerais.
A produção de Priscila ganha visibilidade com a performance Bombril (2010), com duração de uma hora, na qual a performer esfrega repetitivamente seu cabelo crespo contra panelas e outros utensílios domésticos de alumínio, numa crítica às ofensas pejorativas e racistas comumente dirigidas a esse tipo de cabelo, que é comparado à esponja de aço fabricada pela marca Bombril. Durante a ação, a artista evidencia corporalmente o desconforto físico e moral, o cansaço, com movimentos contínuos que buscam materializar as sensações causadas pelas agressões racistas.
Ainda que suas experiências pessoais atuem como propulsoras para suas criações artísticas, as articulações com a história das populações negras escravizadas em diversas partes do mundo são presentes em seus trabalhos e reconfiguram pela performance os acontecimentos e circunstâncias deturpados e amenizados historicamente.
Em muitos de seus trabalhos, sua condição de mulher negra demarca elementos peculiares com relevância estética e conceitual em sua produção artística, como a mercantilização, desumanização e estereotipação das pessoas negras.
Em Barganha (2014), o corpo da artista é puxado por uma mulher branca dentro de um mercado popular, como se o seu próprio corpo estivesse à venda, numa alusão à mercantilização e desumanização de pessoas negras. Na superfície da pele estão etiquetas de preços que são inseridas gradativamente durante o percurso e tornam explícita a condição de exploração a que o corpo negro é submetido.
O conflito enfrentado por mulheres negras em decorrência das imposições de padrões estéticos e midiáticos de beleza é apresentado na obra Deformação (2015). Em um estranhamento diante do espelho, a artista inicia a alteração gradativa da sua imagem com o uso de maquiagens e ações desesperadas e agressivas de alisamento do cabelo crespo com o uso da escova, colocando sua imagem à margem de um padrão estético de beleza e de “boa aparência” exigido das mulheres negras.
Na obra Vem... Pra Ser Infeliz (2017), seu corpo é exposto tal qual a estereotipação das palavras que o deturpam, que não correspondem ao conceito de beleza universal incorporado ao longo dos anos. Utiliza ainda a máscara de Flandres1, e, ao som do enredo de escolas de samba tradicionais, dança samba incessantemente até a exaustão. Esses três trabalhos fazem parte da exposição Negros Indícios (2017), que apresenta artistas afrodescendentes de diferentes regiões brasileiras.
Em 2018, é artista residente na Central Saint Martins, que promove o Performance Artist in Residence em parceria com a Universidade de Londres e o Serviço Social do Comércio. Desenvolve ações que se referem à exploração escravagista entre os séculos XVI e XIX no continente europeu, uma delas é a performance £20m, em referência ao valor pago a proprietários de escravizados pós-abolição da escravatura em 1833 no Reino Unido. Priscila seleciona nomes de navios negreiros ingleses e a quantidade de escravizados por eles negociados, pesa esta mesma quantidade em açúcar e carimba notas de £20 com esses dados e frases como “Sorry, is not enough” [Desculpa não é o bastante]. Depois, coloca essas notas em circulação em comércios diversos na cidade de Londres.
A segunda performance, November 29,1781, rememora o dia em que o capitão do navio negreiro Zong, Luke Collingwood, determina que 133 escravizados sejam atirados ao mar devido à escassez de água potável no curso da viagem. Na ação, Priscila utiliza materiais produzidos por mão de obra escravizada, como açúcar, café, tabaco, similares a ouro e diamante, e desenha diversas cruzes no solo.
Ainda em 2018, é residente também na instituição Art Omai, no interior dos Estados Unidos, onde desenvolve a instalação e performance All of Which Are American Dream, composta de 38 peças de roupa e 5 balas calibre 38 fixadas na parede, que expõe de forma incisiva e poética a ausência causada em decorrência da violência sofrida pela população negra tanto nos EUA quanto no Brasil. As camisas usadas têm um recorte em formato de coração e fazem referência direta às vestimentas usadas por vítimas de violência policial, com símbolos e frases conhecidos popularmente, como a bandeira dos Estados Unidos e a camisa da seleção brasileira de futebol.
Os trabalhos de Priscila Rezende evidenciam de forma direta situações às quais a população negra é submetida, em que indivíduos ainda são vistos como corpos, peças, e não como cidadãos, como no período colonial e imperial. A artista realiza esta explicitação baseada em profunda pesquisa sobre os acontecimentos históricos em relação a violências e escravização de povos africanos.
Nota:
1. Objeto de tortura símbolo do projeto de escravidão colonial, utilizado para silenciar e torturar a população negra escravizada.
Exposições 5
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7/10/2017 - 17/12/2017
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28/9/2018 - 6/10/2018
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19/10/2018 - 16/12/2018
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21/9/2019 - 22/10/2019
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Festivais 2
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23/8/2017 - 26/8/2017
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5/4/2019 - 15/4/2019
Mostras 1
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1/7/2017 - 9/7/2017
Links relacionados 1
Fontes de pesquisa 6
- BIENAL do Mercosul. Lista de artistas participantes da 12ª Bienal do Mercosul : Feminino(s). Visualidades, ações, afetos. Disponível em: http://www.fundacaobienal.art.br/bienal-12-artistas. Acesso em: 05 maio 2020.
- MASP: Museu de Arte de São Paulo. Histórias Afro-Atlânticas. São Paulo: Masp, 2018. Exposição realizada no período de 29 jun. a 21 out. 2018. Disponível em: https://masp.org.br/exposicoes/historias-afro-atlanticas. Acesso em: 1 dez. 2018.
- PRISCILA REZENDE. Site Oficial da Artista. [Belo Horizonte], [s.d.]. Disponível em: http://priscilarezendeart.com/. Acesso em: 1 dez. 2018.
- REZENDE, Priscila. Priscila Rezende. Crato, CE: [s.n], 2018. [Entrevista cedida a] Maria Macêdo, pesquisadora do verbete para a Enciclopédia de Artes Visuais do Itaú Cultural.
- SANTOS, Renata Aparecida Felinto dos. Rapunzel: a arte contemporânea como tratamento cosmético/estético a partir das performances de Juliana dos Santos e de Priscila Rezende. Revista Estúdio, artistas sobre outras obras, Lisboa, v. 8, n. 20, p. 20-29, out.-dez. 2017. Disponível em: http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/29955/2/ULFBA_E_v8_iss20_p20-29.pdf. Acesso em: 27 nov. 2018.
- SAVVY CONTEMPORARY: the laboratory of form-ideas. The incantation of the disquieting muse: on divinity, supra-realities or the exorcisement of witchery. Berlim, Alemanha, 2016. Disponível em: https://savvy-contemporary.com/en/projects/2016/the-incantation-of-the-disquieting-muse/. Acesso em: 1 dez. 2018.
Como citar
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PRISCILA Rezende.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022.
Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa262063/priscila-rezende. Acesso em: 11 de agosto de 2022.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7