Título da obra: O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias

Carlos Império Hamburger (São Paulo, São Paulo, 1962). Diretor, produtor, roteirista. Filho de Ernst e Amélia Império Hamburger, professores de física da Universidade de São Paulo. É sobrinho de Flávio Império (1935-1985), um dos mais importantes cenógrafos e diretores de arte do Brasil.
Começa a carreira cinematográfica realizando curtas de animação com Frankenstein Punk (1986), dividindo a direção com Eliana Fonseca (1962), e A Garota das Telas (1988). Em 1994, dirige Castelo Rá-Tim-Bum para a TV Cultura de São Paulo. A série transforma-se em um dos maiores sucessos da televisão pública paulista, com cerca de 90 episódios, premiada, em 1994, com a Medalha de Prata – categoria infantil – no festival de Nova York.
Cao estreia no cinema de longa-metragem com o filme Castelo Rá-Tim-Bum (1999), baseado na série televisiva. A fita recebe, em 2000, o prêmio de Melhor Filme Internacional no Festival de Cinema Infantil de Chicago.
Em 2006, cria e dirige, para o canal HBO, a primeira temporada da série Filhos do Carnaval, que tem como tema a luta pelo poder no interior da família Gebara, comandada pelo patriarca e bicheiro Anésio. Em 2009, apresenta a segunda temporada da série.
O retorno ao cinema ocorre com O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006). O filme revê o Brasil da ditadura militar da década de 1970 pelo olhar do protagonista Mauro, um garoto de 12 anos. Em 201, dirige Xingu, obra que conta a trajetória dos irmãos indianistas Cláudio (1916-1998), Orlando (1914-2002) e Leonardo Villas Bôas (1918-1961) e a viagem para o interior do Brasil que resulta na criação do Parque Indígena do Xingu (PIX). O PIX é a primeira reserva indígena criada no Brasil, localizado na região nordeste do Estado de Mato Grosso, porção sul da Amazônia brasileira.
Cria com o diretor Teodoro Poppovic, as séries Pedro e Bianca, que marca sua volta à TV Cultura, em 2012. A série conta, por meio das experiências dos irmãos gêmeos, os desafios da adolescência e ganha o Internacional Emmy Kids Awards (2014) como melhor série de 2013.
Ao transpor o Castelo Rá-Tim-Bum para o cinema, em 1999, Cao Hamburger vence o desafio de repetir na tela grande o sucesso da atração infantil na TV Cultura. A primeira imagem que o filme oferece é a da tela escura, sobre a qual lemos os créditos iniciais, que é tomada de repente por uma visão do alto da acinzentada cidade de São Paulo, com seus edifícios dominando a paisagem. Uma música vibrante contrasta com a visão da metrópole e acompanha o movimento de uma pipa de cores vivas que rompe com a monotonia do cenário de concreto. Este “convívio” de mundos diferentes constitui uma das características do filme.
Segundo Luiz Zanin Oricchio, a magia refinada da obra de Cao Hamburger está na aproximação de elementos díspares como física dos planetas e poderes místicos, o mundo atemporal do Castelo do cotidiano brasileiro tomado pela especulação imobiliária e corrupção no serviço público1.
O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias retoma o tempo da ditadura militar (1964-1985) em sua fase mais violenta, sob a presidência do General Emílio Garrastazu Médici (1905-1985), entre outubro de 1969 e março de 1974 pelo olhar do garoto Mauro.
Os pais de Mauro, militantes de esquerda, entraram na clandestinidade e são obrigados a sair de Minas Gerais às pressas em direção a São Paulo, onde deixam o filho na casa de seu avô. No mesmo dia em que ele chega, o avô morre e o menino fica sob os cuidados de Shlomo, um velho judeu do bairro do Bom Retiro. Mauro é obrigado a se adaptar ao novo bairro paulistano e aos efeitos da violência política brasileira do período, que interfe em seu espaço familiar. Tudo isso em meio à Copa do Mundo de Futebol, realizada no México em 1970, que Mauro acompanha apaixonadamente.
O futebol é um importante elemento do filme. Logo na primeira cena, o menino brinca com um jogo de botões enquanto o ouvimos dizer, em voz off, que os goleiros passam a vida sozinhos, esperando o pior acontecer. Mauro vê a história se desenrolar a sua frente e pode contar somente com a ajuda daqueles que estão ao seu lado para evitar que a bola entre. Quando o atacante adversário está diante dele, sem ninguém para defendê-lo, ele conta apenas consigo para continuar “vivo” na partida. Para Augusto Sarmento-Pantoja, “o estado de prontidão é o que aproxima o goleiro de um exilado. É o que Mauro é, mas não sabe. É o que Mauro será, mas não imagina. Não pode falhar! Ficar Isolado!”2.
Com Xingu, Hamburger lança o olhar sobre um Brasil distante, geográfica e culturalmente, da maior parte dos brasileiros. Por meio da epopeia dos irmãos Villas Bôas, o cineasta relata o contato aberto e generoso, sem o desejo de espoliação, de indivíduos com os índios.
Numa entrevista, o cineasta afirma que os Villas Bôas são personagens deslocados, pois não se sentem à vontade na cidade, nem integrados ao universo dos índios3. Todavia, eles não realizam a travessia visando explorar os nativos e as riquezas da região, e sim, compreender e tentar preservar uma cultura ameaçada pela civilização.
Embora tenha se destacado na televisão com os olhos voltados para o público infantil, a produção cinematográfica de Cao Hamburguer traz diversidade e engajamento. Passa por sucessos como Castelo Rá-Tim-Bum, sem deixar de lado a crítica, ao referir-se à especulação imobiliária que ameaça o castelo em meio a cidade de São Paulo. Lida com temas que envolvem a história cultural e política do país desde a expedição dos irmãos Villas Bôas, até a ditadura militar e sua repressão aos opositores. O diretor antecipa o trânsito entre televisão e cinema, natural entre os profissionais da área.
1. ORICCHIO, Luiz Zanin. Ver ‘Castelo’ no cinema é programa obrigatório. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 31 dez. 1999. Caderno 2, p. D-3.
2. SARMENTO-PANTOJA, Augusto. O jogo como estratégia de defesa, sedução e erotismo no cinema latino americano. Anais do SILEL. Volume 2, n. 2. Uberlândia, EDUFU, 2011, p. 3.
3. MERTEN, Luiz Carlos. Irmãos no exílio. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 5 abr. 2012. Caderno 2, p. D-7.
Depoimento - Cao Guimarães
Produção Documenta Brasil e Itaú Cultural
Itaú Cultural
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