Título da obra: Linha de Montagem [cartaz]


Reprodução fotográfica autoria desconhecida
Linha de Montagem [cartaz]
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ca. 1981
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Eduardo de Jesus Rodrigues
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Lúcio Gomes Machado
Reprodução fotográfica autoria desconhecida
Linha de Montagem foi o último documentário do diretor sobre a importância do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema como representante político da classe trabalhadora. Ao concentrar-se em depoimentos colhidos em 1981, o documentário avalia a atuação sindical na organização e direção do movimento operário que ganhou repercussão nacional como voz popular e massiva de oposição ao regime militar. Como explica o próprio Tapajós: “ [em] Linha de Montagem nós retratamos [...] a trajetória que sai, [em 1978], das 60 pessoas dirigindo um movimento de 180 mil para, dois anos depois, pelo menos oito mil pessoas envolvidas na organização de base que sustenta uma outra greve [a de 1980]”1.
Enquanto Greve de Março pressupõe intervenção direta nos acontecimentos políticos, tornando-se instrumento de suporte da greve de 1979, Linha de montagem é concebido como peça de reflexão sobre o processo histórico de formação do novo sindicalismo. Deixando de lado os conflitos ideológicos que na época atravessam a esquerda, Linha de Montagem concentra-se exclusivamente no ponto de vista do sindicato para construir a memória do movimento operário. Como percebe o crítico Jean-Claude Bernardet (1936): “A subordinação dos filmes de Tapajós às entidades os torna porta-vozes da orientação e das palavras de ordem das entidades produtoras. [...] É provável ou possível que o resultado final tenha sido, em alguns casos, um compromisso entre o cineasta e as entidades”2.
Segundo Maria Carolina Granato da Silva, Renato Tapajós assume o compromisso de realizar filmes cujo discurso político central é o do movimento operário em rearticulação. O cineasta afirma que é o estilo da “transparência”: para dar voz ao trabalhador que não tem direito à expressão nos meios de comunicação de massa, o diretor realiza um cinema de não interferência, que não impõe à classe popular uma tese política que lhe é estranha ou vem de fora. É a voz dos operários, especialmente de suas lideranças, que articula em Linha de Montagem uma leitura sobre as manifestações grevistas da região do ABC entre 1979 e 1980.
A avaliação sobre o papel histórico do novo movimento operário é dada por vários diretores e parceiros do Sindicato dos Metalúrgicos, como Djalma Bom (1929), Expedito Soares Batista (1952) e Keiji Kanashiro, mas a figura central para traçar um diagnóstico é justamente Lula, que se consolida nacionalmente como liderança política. Embora o documentário estruture-se a partir dessas vozes, há um dinamismo que surge da articulação entre falas e imagens: as entrevistas se sobrepõem e se intercalam às cenas da classe popular que se mobiliza por direitos trabalhistas. Na primeira metade do filme, dedicada a uma avaliação do que foi a experiência da greve de 1979, Lula destaca a importância do apoio de inúmeras categorias ao novo sindicalismo. O discurso é ilustrado com cenas do funcionamento improvisado do Sindicato dos Metalúrgicos em uma sala da Igreja Matriz de São Bernardo, de um jogo de futebol para arrecadar dinheiro e das festividades do Primeiro de Maio, com declarações solidárias feitas por artistas como Bete Mendes (1949), Dominguinhos (1941-2013) e Elis Regina (1945-1982).
A segunda parte do filme, concentrada na greve de 1980, prossegue com a mesma dinâmica. Enquanto vozes analisam os acontecimentos daquele ano e sugerem que o Sindicato pode ser alvo de repressão militar, os registros documentais apresentam a cidade de São Bernardo tomada por conflitos entre operários e forças policiais. No documentário, 1980 aparece como um ano atravessado por alto grau de violência e tensionamento político. Mesmo com a dissolução do Sindicato dos Metalúrgicos, a prisão de Lula e de alguns diretores em abril daquele ano, a greve é mantida pelos trabalhadores. Nas ruas, a repressão generaliza-se: uma marcha organizada por mulheres pede a soltura dos líderes políticos, a tropa de choque bate violentamente nos manifestantes e o coro dos descontentes repete a frase “Soldado irmão, não entra nessa não”. A edição de Linha de Montagem é dinâmica e imprime essa tensão social na velocidade dos cortes.
Em decorrência da violência, o diagnóstico da experiência de 1980 não é consensual entre os diretores do Sindicato dos Metalúrgicos. Embora a dissonância apareça em Linha de Montagem, ela perde força com o último depoimento de Lula, que propõe caminho futuro para os trabalhadores. Em seu diagnóstico da repressão do Estado, por mais violenta que seja, ela não deve dividir o movimento, mas impulsionar seu crescimento. Não à toa, Linha de Montagem termina no momento em que se anuncia, em 1981, a criação do Partido dos Trabalhadores, a transformação das reivindicações regionais em mobilização nacional da classe popular.
1 BERNARDET, Jean-Claude. “Intervenção ou transparência”. Filme Cultura, n. 46, abr. 1986, p. 54.
2 “A hora da reflexão: entrevista com Renato Tapajós”. Filme Cultura, n. 46, abr. 1986, p. 76.
Reprodução fotográfica autoria desconhecida
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