Título da obra: Cartaz do filme O Olho Mágico do Amor


Reprodução fotográfica autoria desconhecida
Cartaz do filme O Olho Mágico do Amor
,
ca. 1981
Reprodução fotográfica autoria desconhecida
Histórico
Primeiro de três longas-metragens realizados pela dupla de cineastas Ícaro Martins (1954) e José Antônio Garcia (1955-2005), formados pelo curso de cinema da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). O filme é realizado dentro do sistema de produção da Boca do Lixo, tendo a Olympus Filmes, de Adone Fragano (1923-2014), como produtora. O Olho Mágico do Amor (1981), realizado com baixo orçamento, trabalha com elementos típicos aos filmes eróticos da Boca do Lixo, vulgarmente chamados de pornochanchadas, como a abundância de nudez feminina e cenas com insinuação de sexo, o uso de códigos narrativos de gêneros – no caso, o melodrama – e a busca pela comunicação com grande público.
O filme acompanha Vera Gatta [Carla Camurati (1960)], uma jovem de 17 anos que consegue um emprego como secretária na Sociedade Paulista de Amigos da Ornitologia, localizada na Rua do Triumpho, coração da Boca do Lixo. Como o patrão se ausenta com frequência, Vera troca a decoração de lugar e descobre um orifício na parede. Do outro lado, no apartamento vizinho, a prostituta Penélope [Tânia Alves (1953)] faz programas com as mais diversas pessoas. Seduzida, Vera passa observa o cotidiano de Penélope, excitando-se com o que vê. Certo dia, resolve encontrá-la, mas depara-se com o cafetão da prostituta no caminho, que a estupra. Em depressão, Vera se demite. O prazer voyeur, porém, não lhe sai da cabeça, e ela volta ao escritório, matando o cafetão e, enfim, encontrando-se com sua musa.
O filme retrata a questão sexual sem moralismo ou tabus. Cenas que envolvem lesbianismo, travestis, sodomia, entre outras práticas e fetiches, são filmadas com naturalidade. O caráter libertário é especialmente explorado na personagem Vera, que se emancipa sexualmente ao ver o exemplo dado pela prostituta. O sexo passa a ser, assim, um prazer lúdico com que a personagem responde ao seu descontentamento com os pais, com o namorado e com o machismo que a cerca. O filme se vale da mediação do olhar feminino sobre a temática, acenando para a igualdade de gêneros e subvertendo a lógica dos filmes da Boca do Lixo, que partem do viés masculino. Da mesma maneira, ressignifica o voyeurismo.
Para construir as diferentes perspectivas de Vera, Martins e Garcia confrontam duas abordagens. Uma, realista, no âmbito da fotografia e das atuações: por onde a jovem circula, sua casa, o escritório e a rua. Outra, no quarto de Penélope, em que tudo que o espectador observa é mediadopelo olhar de Vera e ganha contorno mais lúdico e fantástico, com iluminação artificial (incluindo neons), arte burlesca e atuações mais performáticas. Nesse contexto, são inseridos ‘números musicais’, que contam com a participação, por exemplo, de Jorge Mautner (1941) e Nelson Jacobina (1954-2012). Os cineastas enfatizam essa vertente na última cena, quando Vera e Penélope se encontram. O cenário deixa de ser o quarto, e elas passam a dividir a cama num estúdio de filmagem, com fundo infinito, onde, após transarem, celebram na presença de todo elenco, deixando em aberto se o encontro das duas é imaginação de Vera ou não. A cena contradiz o caráter ilusório do cinema popular e traz a metalinguagem, presente no cinema paulista dos anos 1980.
Os críticos destacam a ousadia e a qualidade da obra, contrapondo-a a outras produções da Boca do Lixo, tidas como medíocres. Luciano Ramos escreve que “uma produção engajada por inteiro num empreendimento comercial e sensacionalista revela seu caráter de exceção, destacando-se da mediocridade que marca os demais produtos da mesma linha, (...) separando-se do rebanho original a que pertence”.1 Por sua vez, o crítico Rubem Biáfora (1922-1996) escreve no jornal O Estado de S. Paulo: “Inacreditável, inesperado. De onde menos se poderia esperar (...) resultou um filme mágico, que é o que de mais feliz, consistente e artístico o cinema brasileiro produziu nos últimos 30 anos”2.
O Olho Mágico do Amor estreia em São Paulo em 08 de março de 1982, com expressiva bilheteria. No lançamento, é a décima maior bilheteria do ano, com 202.654 espectadores – alcançando, até o final do período de exibição, a estimativa de 800 mil. Exibido no 10º Festival de Gramado, ganha o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante para Camurati. O filme é bem recebido pela crítica, em especial a paulista, e leva quase todos os prêmios da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), incluindo os de melhor filme, direção, argumento, atriz (Alves e Camurati), atriz coadjuvante [Cida Moreira (1951)], fotografia, cenografia e figurino, montagem e música.
Notas
1RAMOS, Luciano. Subvertendo a onda das pornochanchadas. Folha de S.Paulo, São Paulo, 12 mar. 1982. Ilustrada, p. 35.
2BIÁFORA, Rubem. Dois diretores paulistas e a melhor fita nacional dos últimos trinta anos. Estado de S. Paulo, São Paulo, 07 mar. 1982. p. 48.
Reprodução fotográfica autoria desconhecida
O Olho Mágico do Amor (1981), José Antônio Garcia e Ícaro Martins
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