
Acordei que Sonhava

Segunda montagem do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, adaptação de A Vida É Sonho, de Calderón de la Barca, consolida o aprofundamento na pesquisa sobre a cultura hip-hop e a estética da arte das ruas.
As questões do texto original sobre destino e livre-arbítrio inspiram uma abordagem sobre a realidade brasileira. Na peça do dramaturgo espanhol, o príncipe Segismundo vive em uma prisão até a vida adulta, por ordem do próprio pai, o rei Basílio, que ouvira do oráculo que o filho seria um tirano ao assumir o poder. Basílio, pensando na sua sucessão, resolve testar o rapaz e manda dopá-lo. Quando este acordasse, estaria no trono. Se o comportamento fosse reprovável, seria drogado novamente e informado de que tudo não havia passado de um sonho. A descoberta de sua prisão gera revolta no povo e conflito entre pai e filho.
No início do espetáculo, um mestre-de-cerimônias convida o público a refletir sobre a história que será contada. Sugere-se assim que se apreendam as metáforas que a montagem vai construir. Segundo a diretora Cláudia Schapira, esta versão centra-se nas referências à cultura televisiva e ao processo de massificação imposto ao povo brasileiro. Exemplo disso é a cena em que Segismundo poderá ser 'príncipe por um dia', alusão sarcástica a um quadro de programa de tevê brasileiro e mote para uma seqüência de paródias a outras atrações televisivas.
Constantes na montagem, as citações ao universo da periferia, da marginalidade e da exclusão social brasileira servem como contraponto, ou releitura, ao ambiente da corte apresentado no texto original. No projeto do espetáculo, há a ênfase na discussão sobre o poder público, suas responsabilidades e omissões e o abandono dos que deveriam receber sua assistência.
A profusão de câmeras, microfones, aparelhos de televisão, rappers, a fala rimada, a música, tudo gera um impacto sensorial significativo. O figurino, de Cláudia Schapira, também surpreende pela simplicidade e pelo efeito da composição. No elenco, a atriz Paula Pretta, como Buzina, uma menina de rua, destaca-se por sua interpretação. Fica evidente o alinhamento da montagem aos preceitos do teatro épico, uma vez que esses atores MC's (como eles próprios se denominam) narram e anunciam as cenas que devem ser desenvolvidas. O grupo consegue também explorar a performance de seus repentistas urbanos.
Para a crítica Silvana Garcia (1951), o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos "desenvolve projeto estético que traz para o palco a sonoridade do ambiente urbano. Em Acordei que Sonhava, a vozearia das ruas constitui-se em personagem, variando o sentido de espaço forte, transferindo-o para o espaço sonoro: o hip-hop, o linguajar da marginalidade, a retórica dos dominantes, o dialeto dos oprimidos, o palavrório televisivo remetem-nos à rua, mas devidamente distanciados dela como para perceber nela os motivos e os enredos que a constituem".1
Notas
1. GARCIA, Silvana. Teatro político: verso e reverso. Folhetim, Rio de Janeiro, n. 22, jullho-dezembro de 2005. p. 69-76.
Ficha Técnica
do evento Acordei que Sonhava:
- Autoria (Premiação)
- Adaptação (Premiação)
- Dramaturgia (Premiação)
- Roteiro (Premiação)
- Direção (Premiação)
- Direção (assistente) (Premiação)
- Cenografia (Premiação)
- Cenografia (assistente) (Premiação)
- Adereço (Premiação)
- Figurino (Premiação)
- Figurino (assistente) (Premiação)
- Iluminação (Premiação)
- Operação de luz (Premiação)
- Visagismo (Premiação)
- Direção musical (Premiação)
- Trilha sonora (Premiação)
- Coreografia (Premiação)
-
Preparação corporal
(Premiação)
- Érika Moura
- Mariana Maia / Yoga
- Preparação de atores (Premiação)
-
Elenco
/ Personagem (Premiação)
- Benito Carmona / Astolfo, Duque de Moscou; Guarda; Coro-Povo
- Cláudia Schapira / General Clotaldo e Coro-Povo
- Estela Lapponi / Rei Basílio e Coro-Povo
- Eugênio Lima / MC Povo e Líder Revolucionário
- Luaa Gabaninni / Rosaura, Filha de Clotaldo; DJ Povo
- Maysa Lepique / Princesa Estrela; Guarda e Coro-Povo
- Paula Pretta / Buzina, Menina de Rua, Parceira de Rosaura; Coro-Povo
- Roberta Estrela D'Alva / Príncipe Segismundo
- Produção (Premiação)
- Fotografia (Premiação)
Fontes de pesquisa (5) 
- AIROLDI, Rennata. Acordei que Sonhava. In Digestivo Cultural. São Paulo, 2003. Disponível em: http://www.digestivocultural.com. Acesso em 30 mar. 2007.
- GARCIA, Silvana. A nova revolução. Bravo!, São Paulo, n. 102, fev. 2006. p. 82-87.
- LIMA, Jefferson Alves de. Teatro hip hop em nova peça. Folha de S.Paulo, São Paulo, 4 abr. 2003. Revista da Folha, p. 46.
- ACORDEI que Sonhava. São Paulo: Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, 2003. 1 programa do espetáculo realizado no Teatro Carlos Miranda.
- GARCIA, Silvana. Teatro político: verso e reverso. Folhetim, Rio de Janeiro, n. 22, jul-dez 2005.
Como citar? 
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
-
ACORDEI que Sonhava. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/evento464156/acordei-que-sonhava>. Acesso em: 19 de Abr. 2021. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7