Título da obra: Cena do espetáculo Sortilégio


Registro fotográfico autoria desconhecida
Espetáculo Sortilégio. Em cena: Matilde Gomes, Heloísa Herta, Stela Delfina, Ruth de Souza e Abdias do Nascimento
,
1957
Registro fotográfico autoria desconhecida
Histórico
Com texto de Abdias do Nascimento, fundador e diretor do Teatro Experimental do Negro, a montagem de Sortilégio, encenada no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, com artistas de renome e sucesso de público, coroa o investimento do conjunto na criação de uma dramaturgia própria, que valorize os temas ligados à cultura negra, sem perder de vista o objetivo artístico.
O texto é uma fábula moral, que cria uma metáfora da situação do negro no Brasil. Emanuel, advogado negro, rejeita sua própria cultura e sua religião por desejo de ascensão social. Apesar de amar a negra Ifigênia, casa-se com uma mulher branca, Margarida. A esposa trai Emanuel que, humilhado, acaba por matá-la. Perseguido pela polícia, busca refúgio num terreiro, onde é assassinado por Ifigênia, a antiga paixão.
O autor, que interpreta o protagonista, reveste a peça de mistério - meias palavras, sentidos figurados, dubiedade nas ações - colocando-a no limite entre a realidade e a lenda, a vida e o culto. A direção colabora para esse feito, por meio de música litúrgica e batuques, um coro que pontua todo o espetáculo, trajes religiosos e máscaras. O diretor Léo Jusi opta pelo que chama de "estética negra", em detrimento de uma leitura individualista e psicológica da história, e trata "este mistério negro em termos de tragédia social, colocando Emanuel não só como o homem, mas também como o herói, bom e mau, símbolo de uma raça, produto de uma injustiça social".1 Por meio dessa abordagem, o protagonista é julgado pelos deuses não pelo crime profano em relação a Margarida, mas pelo "crime sagrado de alienar-se de sua cultura, o de envergonhar-se de sua raça, o de querer embranquecer".2
No programa, vários artistas e intelectuais assinam artigos de análise da contribuição e do mérito artístico da companhia e da montagem, entre eles, o cenógrafo Tomás Santa Rosa, Roland Corbusier, o ministro Clóvis Salgado, o pintor Candido Portinari, Guerreiro Ramos e Glaucio Gill, que identifica como tema central da peça a busca da liberdade e escreve: "Os valores da perdição permanecem vivos para o homem negro, como no primeiro momento. Pesam-lhe pouco, por isto, os falsos valores da escravidão e libertação com que a cultura grega enfeitiçou os homens. Por isto o negro é a negação do grego, a negação de Orfeu. É o antiapolíneo, o ser fáustico por excelência. Abdias do Nascimento foi buscar, nas entranhas da raça, a teofania do Fausto, reino da poesia absoluta. E como o poeta divino da Comédia, que encontra o Paraíso ao ver extinto o objeto de seus desejos, nu e limpo como o primeiro homem, é também depois da morte de seus desejos, que Emanuel poderá exclamar: 'Eu matei Margarida. Sou um negro livre'." 3
Notas
1. JUSI, Léo. Texto para o Programa. SORTILÉGIO. Direção Léo Jusi; texto Léo Jusi e Glaucio Gill. Rio de Janeiro, 1957. 1 folder. Programa do espetáculo, apresentado no Teatro Municipal em agosto de 1957.
2. Ibid.
3. GILL, Glaucio. Texto para o Programa de Sortilégio.
Registro fotográfico autoria desconhecida
Registro fotográfico autoria desconhecida
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: