O Futuro Dura Muito Tempo
Texto
Histórico
O espetáculo de Márcio Vianna sobre a vida e obra de Louis Althusser faz do espaço cênico a arena da intimidade psíquica do filósofo. Rubens Corrêa interpreta Althusser e Vanda Lacerda, Helène, a esposa assassinada por ele aos 70 anos.
No programa do espetáculo, cita-se um trecho de Althusser que sintetiza as intenções da montagem: "Imaginem aquele encontro: duas pessoas no limite de sua solidão e do desespero, que por acaso se encontram cara a cara e reconhecem um no outro a fraternidade de uma mesma angústia, de um mesmo sofrimento, de uma mesma solidão".
No teatro Gláucio Gill - na época, com platéia e área cênica móveis por meio de arquibancadas - o diretor coloca o público diante e acima do protagonista, como que formando um grupo de juízes a quem o réu procura justificar o assassinato por meio de sua trajetória pessoal. O palco, ambientado com luz baixa e fumaça, tem um fosso fechado que, enchido de areia, funciona como o próprio psiquismo de Althusser, de onde ele desenterra troncos humanos e alfarrábios, como pedaços fossilizados do passado. Memória e alucinação se misturam.
A platéia tem contato com algumas das idéias do filósofo, aspectos de seu passado traumático e seus problemas afetivos, como sua aversão ao contato físico.
Os atores permanecem todo o tempo em cena. Na maior parte do tempo o foco está centrado em Rubens Corrêa, cuja personagem monologa, e apenas em um momento a mulher ocupa o primeiro plano da cena, discorrendo sobre suas convicções. Vanda Lacerda, com magreza incomum, aparentando fragilidade física e emocional, chama a atenção por seu trabalho silencioso, econômico e constante.
Uma das críticas recebidas pela montagem foi o envolvimento do diretor com a personagem, de tal modo que procura justificar seus atos. Sob o titulo Defesa de Althusser - Filósofo que matou a mulher vai para o céu, o jornalista da revista Veja Rio afirma que o espetáculo se perde por "defender a inocência ou a irresponsabilidade do homicídio".1
Jefferson Del Rios, em O Estado de S. Paulo, conceitua o espetáculo como "belo e estranho" e avalia: "Rubens Corrêa, um dos mais impressionantes atores brasileiros, insinua sempre o lado ritual da sua arte. Um mago acima das racionalizações. Ao seu lado, a grande Vanda Lacerda, em rara aparição em São Paulo, usa um fio de melancolia e a própria fragilidade para impor a enigmática mulher-vítima de Althusser. Graças a eles, a emoção do espetáculo também dura muito tempo".2
O Futuro Dura Muito Tempo é o último espetáculo encenado por Márcio Vianna antes de sua morte, aos 45 anos. Em sua trajetória como diretor, que o firma como o encenador mais fiel ao experimentalismo teatral no Rio de Janeiro dos anos 80, a montagem representa a primeira incursão a um teatro de narrativa e fruição lineares.
Notas
1. TRINDADE, Mauro. Defesa de Althusser - Filósofo que matou a mulher vai para o céu. Veja Rio, Rio de Janeiro, 15 set. 1993.
2. DEL RIO, Jefferson. A peça sobre Althusser vê loucura sem cair no óbvio. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 21 jan. 1994.
Ficha Técnica
Louis Althusser
Roteiro
Márcio Vianna
Direção
Márcio Vianna (Prêmio Shell)
Direção (assistente)
Thais Públio
Cenografia
Teca Fichinski
Figurino
Teca Fichinski
Iluminação
Paulo César Medeiros (Prêmio Shell)
Direção musical
Marcito Vianna
Coreografia
Rossela Terranova
Elenco
Rubens Corrêa / Althusser (Prêmio Shell)
Vanda Lacerda / Helene
Fontes de pesquisa 4
- DEL RIOS, Jefferson. A peça sobre Althusser vê loucura sem cair no óbvio. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 21 jan. 1994.
- MACARZEL, Evaldo. Althusser ressuscita mulher em peça. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 15 jan. 1994.
- O FUTURO Dura Muito Tempo. (Dossiê Espetáculo Artes Cênicas) Rio de Janeiro: Cedoc/Funarte.
- TRINDADE, Mauro. Defesa de Althusser - Filósofo que matou a mulher vai para o céu. Veja Rio, Rio de Janeiro, 15 set. 1993.
Como citar
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O Futuro Dura Muito Tempo.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022.
Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/evento392241/o-futuro-dura-muito-tempo. Acesso em: 06 de julho de 2022.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7