Título da obra: Apocalipse 1,11


Registro fotográfico Sérgio K/Studio K
Apocalipse 1,11
,
2000
Registro fotográfico Sérgio K/Studio K
Histórico
Montagem conduzida pelo encenador Antônio Araújo com o grupo Teatro da Vertigem, dramaturgia de Fernando Bonassi inspirado no Apocalipse, de São João, último episódio do livro bíblico.
A realização fecha, segundo o grupo, um ciclo: a finalização de uma trilogia envolvida com os temas bíblicos, cujas duas primeiras partes são Paraíso Perdido, de Sérgio de Carvalho, e O Livro de Jó, de Luis Alberto de Abreu, encenadas em 1992 e 1995.
Como nas realizações anteriores, Apocalipse 1,11 nasce após extenso período de pesquisas de linguagem cênica e a partir de um processo colaborativo com os atores no engendramento da dramaturgia, assinada por Fernando Bonassi. Ao invés de concentrar-se diretamente nas imagens grandiloqüentes do original, o espetáculo privilegia a trajetória de João, transformado em retirante nordestino que aporta em Babilônia, a cidade de todos os vícios.
Esse uso alegórico da temática e das criaturas vai possibilitar a mobilização de um extenso repertório de citações, referências e remissões a obras plásticas, situações culturais arquetípicas, músicas, cenários e ambientes. O uso do espaço cênico, como marca da equipe, é aqui também um elemento importante. Para essa realização busca-se um presídio, angustiante metáfora do fim dos tempos.
A estrutura formal da encenação encontra, nos diversos ambientes propiciados pela arquitetura, usos diferenciados e surpreendentes. A primeira cena, a anunciação dos tempos do fim pelo Anjo, é situada numa apertada saleta de entrada, onde os espectadores amontoam-se uns sobre os outros. A segunda grande seqüência, num andar superior, evoca o templo/salão de festas de todos os desregramentos: um grande show de horrores, conduzido por Babilônia e a Besta, onde se misturam desde referências a programas de TV até missas - negras ou não - recheadas por crimes e vilezas de diversos quilates.
Na seqüência, outro convite ao horror, quando o espectador deve cruzar um corredor escuro e ouve gritos de morte, provindos das celas laterais, em alusão ao massacre do Carandiru. O final da encenação, a grande cena dos julgamentos, é efetuado num amplo pátio rodeado de celas, onde a morte, a destruição, as imagens desoladas de João e Cristo compõem um quadro sinistro e horripilante.
No elenco destacam-se Vanderlei Bernardino, como João; Roberto Audio, como a Besta e Senhor Morto; Mariana Lima, como Babilônia; Sergio Siviero, como o Juiz; e Miriam Rinaldi, como a Noiva; e Luis Miranda como o Pastor Alemão. Importante papel é reservado aos efeitos de luz, criados especialmente pelo light-designer Guilherme Bonfanti e as ambientações cênicas, desenvolvidas por Marcos Pedroso.
No comentário da crítica Mariângela Alves de Lima, "A primeira metáfora desse nó inextrincável é o presídio, lugar onde se aloja a encenação. Concreto e real, é também símbolo da Babilônia moderna, lugar onde silenciou a harpa, não se ouve mais o canto do moinho nem a voz do marido e da mulher. É onde desejaríamos circunscrever o mal e é, portanto, o lugar escolhido para mostrar como o que está dentro se parece com o que está fora. O desacordo com a função judicativa do texto original está também visível nas falas dos personagens. Em grande parte desorientam e escarnecem do sentido unívoco das afirmações. As mensagens que deveriam chegar de um mundo transcendente são, nesse espetáculo, ordenações burocráticas de autoridades terrenas que não sabem mais o que falar e o que fazer. Só as manifestações blasfemas das duas alegorias, a Besta e a Babilônia, têm a credibilidade indiscutível do mau gosto e do deboche dos meios de comunicação de massa. Há muitas coisas intrigantes e belas nessa premeditada confusão de final de tudo. Os palhaços eximindo-se de participar, o melancólico e gigantesco coelho e a inocência personificada por uma mulher de branco sugerem o estado alucinatório que propicia as revelações. Mas há também cenas pungentes pelo tratamento hiper-realista, nas quais reconhecemos fragmentos da nossa experiência cotidiana. É extraordinária, nesse sentido, a cena em que um homem negro é humilhado".1
Notas
1. LIMA, Mariângela Alves de. O intrigante e pungente 'Apocalipse 1,11'. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 21 jan. 2000. Caderno 2, p. E-2.
Registro fotográfico Sérgio K/Studio K
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