Título da obra: ... Das Barrancas do Rio Gaviao


Philips
Foto Itaú Cultural
Na Quadrada das Águas Perdidas
,
1979
,
Elomar
Marcus Pereira
Foto Itaú Cultural
Biografia
Elomar Figueira Mello (Vitória da Conquista, Bahia, 1937). Compositor, violonista e cantor. Filho de Ernesto S. Mello e Eurides Figueira Mello, Elomar nasce na cidade baiana de Vitória da Conquista. A família de fazendeiros vive na zona rural da cidade, onde se educa e tem e seus primeiros contatos com a música, que ocorrem nos cultos religiosos e escutando os cantadores, violeiros e repentistas. Ainda garoto aprende a tocar viola e violão, sem aprovação familiar.
Em 1954 muda-se para Salvador para estudar e compõe algumas canções. Cinco anos mais tarde, ingressa no curso de arquitetura da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Conclui o curso em 1964 e retorna à Vitória da Conquista; vive da arquitetura, e paralelamente mantém uma carreira como artista. Grava seu primeiro compacto em 1968, um disco independente com as faixas autorais "O Violeiro e Canção da Catingueira", e, no ano seguinte, conclui a escrita da primeira ópera, "Auto da Catingueira". No final da década frequenta a Escola de música da UFBA, sem concluir o curso.
Em 1972 grava seu primeiro LP, Das Barrancas do Rio Gavião. Em 1978 grava o segundo disco, nos estúdios da UFBA, Nas Quadradas das Águas Perdidas. A partir de então sua vida artística se estabelece e faz apresentações pelo país. Em 1980 lança em São Paulo o LP Parcelada Malunga em parceria com o pianista erudito Arthur Moreira Lima (1940).
Nos anos 1980 abandona a arquitetura para dedicar-se exclusivamente a música. Em 1981 lança Fantasia Leiga para um Rio Seco, acompanhado da Orquestra Sinfônica da Bahia. No ano seguinte realiza o espetáculo coletivo ConSertão com Arthur Moreira Lima, Paulo Moura (1932-2010) e Heraldo do Monte (1935) e que resulta em disco o homônimo. Grava ainda os discos coletivos Cantoria 1 e 2 (1984 e 1988), com Xangai (1945), Vital Farias (1943) e Geraldo Azevedo (1945) e Concerto Sertanez (1988) com Turíbio Santos (1943), Xangai e seu filho João Omar. Lança os discos de canções "Cartas Catingueiras" (1983) e outros com experiências solistas e sinfônicas como "Auto da Catingueira" (1984), "Sertania" (1985), com Ernst Widmer (1927-1990) e a Orquestra Sinfônica da Universidade Federal da Bahia, Dos Confins do Sertão (1987), gravado na Alemanha, e Elomar em Concerto (1990 - ao vivo).
De temperamento recluso, retorna à vida no sertão e grava Árias Sertânicas (1994) e Cantoria 3 (1994). Mas mantém-se preocupado em compor, registrar e divulgar suas obras. Com esse objetivo organiza em 2007 a fundação Casa dos Carneiros. Dedica-se também a escrever "romances de cavalaria", Sertanílias (2008) e Sertano Visita a Cidade (no prelo). Em 2008, lança Elomar: Cancioneiro, publicação com transcrição das partituras do compositor e que conta com a participação dos músicos Maurício Ribeiro, Hudson Lacerda, Avelar Júnior e Kristoff Silva.
Análise
Trata-se de um compositor cuja formação cultural e musical e seus vínculos com múltiplas experiências e tradições musicais, tanto regional e rural, o colocam numa encruzilhada de onde partem e convergem inúmeros caminhos e alternativas. Sua proposta poética, por exemplo, revela e faz referências permanentes a valores artísticos fundados nas tradições européias, sobretudo, as medievais e ibéricas, assim como ao universo judaico e cristão. Surgem assim em seus poemas cavaleiros, nobres intrépidos, donzelas, princesas, menestréis, castelos, corcéis, cristãos, judeus e valores como honra, coragem e amor. Para narrar esse imenso universo, ele utiliza formas clássicas da cultura erudita como o romance, épicos, autos e antífonas. No entanto, todo esse mundo é filtrado e recriado pelo imaginário rural do sertanejo nordestino. A cultura oral e popular se impõe para contar as histórias do povo humilde do sertão, seus animais, sua natureza, mas sempre recheadas das citações medievais, clássicas e ibéricas. O discurso épico e universal constitui-se para contar as pequenas histórias particulares do seu mundo sertanejo. Assim o cavaleiro intrépido em seu corcel pode ressurgir no Tuin da Lagoa Preta, no Quilimerô, a rainha em "Dona Izabel" e a donzela podem ser "Tiadora", a "Naninha" ou a "Joana flor das Alagoas" entre tantos outros personagens locais e regionais. Sua narrativa procura mostrar o povo do sertão como "um forte", lutador que constrói obras culturais e "um mundo maravilhoso".
Para concretizar essa fusão ele opera evidente transformação na linguagem. Ela se apresenta recheada de arcaísmos, como o latim, com variantes dialetais e neologismos, criando assim um dialeto muito próprio fundado na oralidade sertaneja, à semelhança de Guimarães Rosa (1908-1967). Por isso, a professora Jerusa Pires Ferrreira diz que no seu discurso se "ajuntam céus e terras, crenças e vivências, coisas grandes e pequenas, e se organiza a recriação do grande texto oral, sertanejo, Ibérico e universal. É como se ouvisse um canto de milênios, os gêneros da poesia medieval, do grande relato épico, o mundo misterioso, mais a captação de flagrantes da vida sertaneja". Porém esse mundo e seu "dialeto catingueiro" ou "sertanês" tão singular não é simples de penetrar. Para compreender integralmente aquilo que se diz e se escreve exige muitas vezes glossário como exposto, por exemplo, no disco Nas quadradas das águas perdidas (1978).
Do ponto de vista musical as fusões entre a música erudita e a popular também são evidentes. Ele cria seu próprio projeto armorial. Seu instrumento central é o violão que não assume a postura comum de simplesmente acompanhar a harmonia para o canto. Uma das características de sua obra é o fato dele seguir a mesma linha melódica exposta no canto ou então apresentar pequenas variações em contraponto com a voz. Deste modo, ele realiza a difícil tarefa de ser simultaneamente solista instrumental e intérprete. Certamente o fato de ter formação musical clássica contribui para essa condição solista central do violão e a utilização de timbres, encadeamentos harmônicos, frases típicas deste universo sonoro. E neste caso, sua sonoridade mais uma vez apresenta recordações da cultura ibérica, cuja tradição violonística peculiar é bastante conhecida. Suas pretensões solistas se revelam de maneira aberta pela primeira vez na gravação de Cartas Catingueiras, no qual apresenta 5 peças solos, das 12 que tem registradas. Além dessa produção compôs também óperas (11), antífonas (11), concertos (3) e uma sinfonia. Acontece que essa formação e as informações originárias da música erudita se misturam com várias tradições musicais populares regionais, como dos violeiros, cantadores, repentistas e aquelas presentes das festas religiosas. Mas aparecem também como elementos da música urbana como as serestas, valsas, modinhas e batuques. Isso tudo escutado e cantado no dialeto sertanês, tornando sua obra bastante complexa.
Por fim, todo esse conjunto se vincula a um projeto cultural mais amplo do autor e serve para revelar suas insatisfações com a modernidade. A criação desse universo tão específico repleto de conflitos pretende opor o mundo rural ao urbano, com prevalência do primeiro. Isso significa a preferência pela tradição e a recusa das rupturas incessantes e degenerativas da modernidade. Sua rejeição à cultura contemporânea massificante, em favor de uma cultura clássica e regionalista, se revela tanto na obra e como também no seu modo de vida. Recluso no sitio em sua cidade natal, funda em 2007 a fundação Casa dos Carneiros com objetivo organizar e divulgar sua obra fora do circuito da indústria da cultura e apresentar seu projeto cultural.
Sua obra musical está exposta em 15 discos, a maior parte gravada nos anos 1980, que apresentam essa riqueza e multiplicidade. Em muitos deles conta com a colaboração de outros artistas, desde a apresentação de Vinícius de Morais (1913-1980) em Barrancas do Rio Gavião, como a participação direta de instrumentistas importantes como Heraldo do Monte, Paulo Moura, Arthur Moreira Lima e Jacques Morelenbaum (1954), e de músicos como Dércio Marques (1947-2012), Xangai e Geraldo Azevedo. Além disso, Elomar também é criador de bodes e um de seus animais, o bode Francisco Orelana, que comia papel e jornal, inspira Henfil (1944-1988) a criar um personagem homônimo que figura nos cartum Graúna.
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Foto Itaú Cultural
Marcus Pereira
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Rio Gavião
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Marcus Pereira
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Kuarup
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Kuarup
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Kuarup
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Rio do Gavião
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Independente
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Trikont (Alemanha)
Foto Itau Cultural
Estúdio de Invenções
Kuarup
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Kuarup
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Rio do Gavião
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Kuarup
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Kuarup
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Amizades e cantorias – Ocupação Elomar (2015)
O músico Xangai conta como, aos 10 anos de idade, conheceu Elomar – na época com cerca de 20 anos e instrutor de música. Ele também fala do reencontro, quando finalmente passaram a tocar juntos no Parcelada Malunga, no Auto da Catingueira e, em especial, no Cantoria – projeto realizado com outros músicos parceiros, como Geraldo Azevedo e Vital Farias, sem ensaios.
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Dialeto catingueiro – Ocupação Elomar (2015)
A linguagem e o sertão permeiam todo o universo de Elomar – de suas composições à literatura. Amigo de Elomar e pesquisador da Fundação Casa dos Carneiros, Gilson Bonfim apresenta os sertões e comenta como o músico incorpora na sua obra tanto a linguagem normativa quanto a coloquial. João Omar, maestro, músico e filho de Elomar, conta o que é o sertão para seu pai e a importância de sua obra como um tesouro que guarda o dileto catingueiro – fala dos sertanejos reproduzida e batizada de “sertanezo” por Elomar.
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As canções elomarianas – Ocupação Elomar (2015)
Filho de Elomar, João Omar, maestro e músico, fala da influência do romanceiro ibérico nas letras e músicas de seu pai. Faz ainda uma retrospectiva, do momento que Elomar começa a tocar tango em serestas, passando pela aproximação com o sertão, até chegar às composições operísticas.
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Aboio, o canto para encantar – Ocupação Elomar (2015)
“Êêê... ê boi... ê boi...” Para o músico Xangai, parceiro de Elomar em diversos álbuns e concertos, o aboio é uma convocação do vaqueiro ao gado, como um chamado espiritual. Ele explica o que é um aboio, fala sobre suas origens e função.
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Sertão profundo – Ocupação Elomar (2015)
O parceiro e músico Xangai afirma que ninguém canta o sertão catingueiro como Elomar, que vive na roça e consegue, apesar do grau de erudição e estudo, voltar seu olhar para a realidade sertaneja. Xangai recita os versos da música Cantiga do Estradar e faz, com os músicos, uma apresentação da canção A Pergunta.
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SESC Consolação
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Auditório Ibirapuera - Oscar Niemeyer
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