Artigo sobre Romanceiro da Inconfidência

Carlos Bartolomeu Silveira da Silva (Recife, Pernambuco, 1953). Diretor, professor e autor. Desde o início dos anos 1970, realiza encenações de forte teor conceitual, organizadas em sua maioria sob a influência da linguagem cinematográfica. Seu trabalho se caracteriza, sobretudo, pelo diálogo com as vanguardas históricas, com o modernismo brasileiro e com o tropicalismo.
No curso de ator da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), entre 1972 e 1973, tem como professores Hermilo Borba Filho, Isaac Gondim Filho, Joel Pontes, Milton Baccarelli e Maria José Campos Lima, entre outros. Nesse curso realiza suas primeiras experimentações como encenador, com particular incentivo de Isaac Gondim Filho. Chama a atenção desse professor a qualidade de suas adaptações e roteiros, a exemplo de Martim Cererê, de Cassiano Ricardo, e que desconstrói o ufanismo do autor, e Sometimes, Coração de Mãe Se Engana, uma recriação de O Traído Imaginário, de Molière, em viés tropicalista.
Sua veia dramatúrgica é retomada em 1975, quando adapta para a cena o Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. Nesse ano também adapta e dirige Electra no Circo, de Hermilo Borba Filho, para o Teatro Experimental de Olinda e Recife (TEOR) espetáculo que constitui seu lançamento público como encenador, contando com uma infraestrutura incomum aos grupos amadores de então.
Bartolomeu conclui bacharelado em comunicação social pela UFPE em 1977, e torna-se professor de cinema e teatro nessa universidade a partir de 1980. Defende dissertação de mestrado em biblioteconomia, em 1998, pela Universidade Federal da Paraíba, com pesquisa sobre o teleteatro da TV Jornal do Commercio nos anos 1960, resultando na publicação do livro Testemunho de Atores: Um Panorama do Teleteatro da TV Jornal do Commercio, pela Editora Bagaço, em 2006.
Realiza para o Teatro Experimental de Olinda - TEO, nos anos 1970, dois espetáculos que alicerçam suas formulações estéticas dos anos posteriores: o primeiro, em 1976, Debu Le Rá, um roteiro sobre os textos A Morta, O Homem e o Cavalo e o Rei da Vela, de Oswald de Andrade (1890 - 1954); e o segundo, Os Mistérios do Sexo, de Coelho Neto, em 1978.
Debu Le Rá é resultante de um curso de iniciação ao teatro, que tem a participação de vários alunos-atores e se apresenta como metáfora dos duros tempos de censura em que se vive. Nesse mesmo espírito, Bartolomeu realiza Os Mistérios do Sexo, radicalizando o escárnio - sutilmente presente em Debu Le Rá -, com os papéis masculinos representados por mulheres e os femininos por homens.
Em 1980, dirige Irmã Natividade, de Bernardo Santareno, com a proposta de discutir a religiosidade católica hierarquizada, que na peça conduz os personagens à destruição. Para isso, o erotismo se torna um elemento determinante e se materializa na cena por meio da imagem de um Cristo nu e do figurino das freiras que se vestem de hábitos diáfanos.
Sob os influxos das vanguardas históricas e da Semana de Arte de 1922, Carlos Bartolomeu dirige o Ato Negativo, utilizando peças e poemas futuristas entremeados com poemas de Ascenso Ferreira (1895 - 1965) e Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987). O crítico Enéas Alvarez atesta que o texto é "sólido e inteligentemente bem elaborado, apesar de certas desarticulações e de uma relativa presunção", mas se rende à direção de Carlos Bartolomeu "que empresta a esse espetáculo o seu sinal, a sua marca, o seu vínculo pessoal, o seu critério individual de criação".1 Em A Prevista - "Ora Direis Ouvir... Estrelas? Ou Antes Fosse?", de 1983, Bartolomeu usa a bufonaria como forma de articular seus textos e suas encenações.
Em seu trabalho como encenador, podem-se identificar aspectos paródicos de filiação à chanchada e aos filmes de Glauber Rocha e de Federico Fellini. Esses aspectos ganham relevo quando realiza a montagem de O Arquiteto e o Imperador da Assíria, de Fernando Arrabal, em 1984, por intermédio da composição das cenas e da recriação dos personagens que se movimentam e se vestem à Carlitos.
Ainda em 1983 dirige um de seus mais elogiados e premiados trabalhos: A Visita de Sua Excelência, de Luiz Francisco Rebello. Valdi Coutinho, crítico do Diário de Pernambuco, observa que "Carlos Bartolomeu deu um tratamento bem peculiar ao texto, concebendo um espetáculo multifacetário como o próprio poder nele enfocado: ora surrealista, ora satírico e, em alguns momentos, trágicos, com utilização de alguns recursos circenses e movimentos da biomecânica, o que terminou por imprimir ao trabalho um ritmo bem dinâmico de encenação e uma plasticidade que agrada ao público".2
Ao montar A Mais Forte de August Strindberg, em 1984, consolida-se como um encenador maduro, pleno de seus meios expressivos. Em 1985, dentro do projeto de produção teatral da Fundação de Cultura Cidade do Recife - FCCR, intitulado As Três Farsas do Giramundo, são encenadas as peças A Cantora Careca, de Eugène Ionesco, Um Gesto por Outro, de Jean Tardieu, e Deus, de Woody Allen. Um Gesto por Outro tem direção de Bartolomeu, que a concebe como uma brincadeira requintada, em que a cenografia de Beto Diniz dispõe ao fundo uma reprodução do quadro de Jacques-Louis David, A Morte de Marat, com vasos sanitários à Marcel Duchamp, e uma cortina transparente de voile azul, bordada com flores-de-lis douradas, que desce no fim da apresentação. Uma das "brincadeiras sérias" de Um Gesto por Outro é a crítica cultural implícita à estética armorial, afinal, o simbolismo dessas flores na cortina que fecha o espetáculo satiriza o caráter heráldico do movimento defendido por Ariano Suassuna (1927 - 2014).
Encena, em 1988, Madame Blavatsky, de Plínio Marcos (1935 - 1999), e A Flor e o Fruto, de José Carlos Cavalcanti Borges, recriação de Dom Casmurro, de Machado de Assis (1839 - 1908). Valdi Coutinho analisa essas duas criações dando ênfase à modernidade do diretor: "A inovação de Carlos Bartolomeu está no resgate da função e do sentido da dramatização como um todo, sem mimetismos, mas através de um impressionismo minimalista, onde cada detalhe assume um valor mínimo indispensável à decodificação do contexto. [...] O impressionismo cênico dos dois espetáculos de Carlos Bartolomeu é cáustico pelo que carregam de importunação ao provocar o aquecimento do autoconhecimento de quem vê, ouve e observa. A arte representando não apenas uma irrealidade mas uma união entre o irreal e a vida".3
No Curso de Formação do Ator (CFA), Carlos Bartolomeu dirige três espetáculos: Ubu Rei, de Alfred Jarry, em 1985; O Sumidouro, de Jorge Andrad (1922 - 1984), em 1987; e As Bacantes, de Eurípides, em 1991. São três marcos importantes tanto para os alunos-atores como para a produção cultural da cidade: o primeiro, por abrir uma nova etapa no CFA, em que se priorizam as encenações como método na formação do ator; o segundo, por trazer à cena um texto importante na dramaturgia brasileira contemporânea; e o terceiro, por ser a peça que fecha o fecundo ciclo do CFA, como se tratasse de uma alegoria dos malefícios que sofre uma cidade quando o teatro se torna desnecessário.
Com Flash Clown, em 2003, Bartolomeu retoma suas pesquisas mais ligadas à clownerie, com angulação lírica e, por vezes, chistosa, recriando nessa peça, por exemplo, a cena de Romeu e Julieta, feita por Grande Otelo e Oscarito, em Carnaval do Fogo, com direção de Watson Macedo, de 1949.
Em 2006 e 2007 monta, respectivamente, Atores do Órgão Irresponsável e Atores da Noite, para sua recém-criada Companhia do Chiste. Por intermédio desse grupo, publica dois de seus textos - Atores da Noite e Ensaio Aberto - com o título Teatro Suspeito.
Para Anco Márcio Tenório Vieira, as duas peças que compõem o Teatro Suspeito dialogam com a tradição literária "de invenção", na qual se insere James Joyce. E ressalta que Bartolomeu volta "a dialogar com o teatro que se volta para si próprio, traça seus limites, rompe-os, e reoxigena-o, dando-lhe vida nova, atualidade. [...] Sua obra reflete a maturidade de um homem que construiu toda sua vida intelectual no teatro; fazendo teatro, pensando teatro. Daí ele não se esquivar em dialogar com o melhor que a tradição teatral tenha nos legado, daí ele, como queria o poeta, não ter medo de fugir do seu tempo: do tempo presente, do tempo dos homens".4
1 ALVAREZ, Enéas. Ato Negativo - Crítica. Jornal do Commercio, Recife, 21 dez. 1982. Caderno C, p. 4.
2 COUTINHO, Valdi. Mais uma de Carlos. Diário de Pernambuco, Recife, 4 jun. 1983. Viver, p. B-4.
3 COUTINHO, Valdi. A modernidade cáustica e subversiva no palco. Diário de Pernambuco, Recife, 7 jul. 1988. Viver, p. B-4.
4 VIEIRA, Anco Márcio Tenório. O teatro insuspeito de Carlos Bartolomeu. In: BARTOLOMEU, Carlos. Teatro suspeito. Recife: Companhia do Chiste, 2007. p. 63-65.
Faculdade de Ciências Humanas de Olinda
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Teatro de Santa Isabel
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Vivencial Diversiones
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Teatro Milton Baccarelli
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Teatro do Dérbi
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