Artigo sobre Retrospectiva do Cinema Brasileiro (2008 : São Paulo, SP)

Lúcia Murat (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1949). Cineasta. Sua carreira cinematográfica é marcada por filmes que tratam da ditadura no Brasil, da repressão militar e da tortura. Em 1967, ingressa na faculdade de economia e torna-se militante do movimento estudantil. Em 1968, é presa pela primeira vez no congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna, São Paulo. Após a promulgação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), em dezembro deste mesmo ano, entra na clandestinidade e parte para a guerrilha. Em 1971, é presa novamente sendo torturada no Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI). Sai da prisão em 1974 e passa a escrever artigos para periódicos como o Jornal do Brasil e as revistas Opinião e Movimento. Em 1978, capta as imagens do documentário Pequeno Exército Louco (1984) sobre a luta da guerrilha na Nicarágua. Após sair da prisão, é processada pelo Estado por suas atividades como militante até ser anistiada em 1979.
No início dos anos 1980, dirige documentários para a TV Educativa e Bandeirantes. No final da década, dirige Que Bom Te Ver Viva (1989), sobre ex-presas políticas torturadas na ditadura. Durante a década de 1990, dirige documentários em curta e média metragens para a TV Manchete, sempre tematizando a problemas do Brasil, como Reforma Agrária (1991) e 18 do Forte (1995). Após o fim da Embrafilme, na retomada do cinema brasileiro, dirige Doces Poderes (1996). A partir de então, dedica-se integralmente a realização de longas-metragens para o cinema, tais como Brava Gente Brasileira (2000) que retrata a relação conflituosa entre portugueses e índios no século XVIII, Quase Dois Irmãos (2004), Uma Longa Viagem (2011), A Memória que me Contam (2012).
A filmografia de Lúcia Murat trata de temas autobiográficos, relacionando sua trajetória de vida com fatos históricos do país. As obras apresentam temas políticos de caráter humanista, referidos a sua formação cultural e política de esquerda nos anos 1960. O tema da memória é marcante e baseia-se na relação entre sua experiência, a história contada em retrospectiva e o tempo presente. Que Bom Te Ver Viva, por exemplo, articula depoimentos de ex-presas políticas torturadas, e comentários ficcionais de uma ex-presa [Irene Ravache (1944)], para condensar na personagem o que se assiste nos depoimentos: a experiência traumática vivida na ditadura, as marcas desse passado no tempo presente, e os projetos de futuro.
O vínculo entre a época da ditadura e a da democracia, retorna na ficção Quase Dois Irmãos. O filme centra-se na amizade entre Jorginho, negro e morador da favela, e Miguel, branco de classe média, e suas famílias no Rio de Janeiro. A narrativa aborda a atuação da militância de esquerda durante o regime militar, estabelecendo as consequências no presente. Nesse sentido, Quase Dois Irmãos chama a atenção para os valores que separam esta militância das classes pobres, e o machismo cultural que os aproxima. A distância entre as classes e seus efeitos, aparece simbolizada no reencontro e convívio de Miguel, um dos presos políticos, com Jorginho, um dos comuns, na prisão de Ilha Grande nos anos 1970. A classe média entra em contato com as drogas e a marginalidade ao mesmo tempo em que a população do morro aprende a se organizar. Após conflitos de valores entre as duas classes na prisão, o grupo de Miguel constrói um muro que o separa dos presos comuns. Jorginho escolhe ficar ao lado destes e funda a facção criminosa “Comando Vermelho”. A opressão de gênero perpassa todo o filme, com foco no conflito de classe.
Itaú Cultural
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