Título da obra: Opinião de Nara

Nara Lofego Leão (Vitória, Espírito Santo, 1942 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1989). Cantora, compositora, violonista. Com uma obra eclética – que abarca da bossa nova ao tropicalismo, de canções anteriores à era do rádio ao samba do morro –, contribui para a conformação da MPB como gênero musical.
Com um ano de vida, muda-se com a família para o Rio de Janeiro. Aficionada por música, estuda violão desde os 12 anos, e tem como professores Patrício Teixeira (1893-1972) e Solon Ayala (1927). Na adolescência, transforma seu apartamento em um ponto de encontro de jovens compositores ligados à criação da bossa nova, entre os quais Roberto Menescal (1937) e Ronaldo Bôscoli (1928-1994). Apesar de dominar a prática de violão, é como cantora que encontra sua forma de expressão, ainda que inicialmente não ambicione se profissionalizar, tampouco encontre apoio no círculo bossa-novista para fazê-lo.
Por meio do contato com o ambiente politizado do Centro Popular de Cultura (CPC), ao lado de Carlos Lyra (1939) e dos cineastas Ruy Guerra (1931), Cacá Diegues (1940) e Glauber Rocha (1939-1981), busca por um maior engajamento em sua produção. No plano estético, sua estreia no Beco das Garrafas, em 1963, a familiariza com a sonoridade do “samba novo” ou “samba jazz”, contrastante com o aspecto enxuto da bossa nova. Essas mudanças se fazem presentes em seu primeiro disco de carreira, Nara (1964), cujo repertório inclui sambistas como Nelson Cavaquinho (1911-1986), Cartola (1908-1980), e compositores preocupados com questões sociais e tradições populares, como Edu Lobo (1943) e Vinícius de Moraes (1913-1980). Sua interpretação leve e despojada, contudo, ainda apresenta alguma relação com o canto minimalista, influenciado por João Gilberto (1931-2019).
Nara rompe com essa estética no LP Opinião (1964), buscando maior contundência em sua performance, a fim de transmitir uma mensagem impactante, em canções como a faixa-título e “Acender as Velas”, ambas de Zé Keti (1921-1999). Intuitivamente recorre a uma região mais grave de sua tessitura vocal e privilegia a clareza do texto por meio da articulação da dicção. Os arranjos e instrumentações dialogam com o jazz, assumindo um caráter mais estridente, como se nota no solo de bateria que introduz “Opinião”. Desse encontro, resulta uma sonoridade moderna, a qual não é nem uma bossa nem um samba de morro em sua forma tradicional.
A percepção de uma saturação da música de protesto leva a cantora a retomar o lirismo da canção popular, já presente em sua interpretação de “A Banda”, em dueto com o compositor Chico Buarque (1944) no II Festival Internacional da Canção (1966). Nara empreende um intenso trabalho de pesquisa, pelo qual retoma o cancioneiro da era do rádio e mesmo anterior a ele. Em seu disco de 1968, faz releituras de uma modinha imperial, um choro de Ernesto Nazareth (1863-1934), uma seresta de Villa-Lobos (1887-1959), passando por sambas e marchinhas radiofônicos de Ary Barroso (1903-1964), Lamartine Babo (1904-1963) e Custódio Mesquita (1910-1945). Ao revisitar “Quem é”, samba-choro do repertório de Carmen Miranda (1909-1955), recupera sua oralidade e ritmo, porém em um registro mais conciso, eliminando vibratos e outros tipos de ornamentação mais datados. O álbum remete-se, ao mesmo tempo, às grandes massas sonoras das orquestrações da era do rádio e às estruturas melódicas do pop-rock, efeito obtido pelos arranjos do maestro Rogério Duprat (1932), com quem Nara trabalha naquele ano no disco-manifesto Tropicália ou Panis et Circensis.
Apesar de não aderir completamente ao movimento, a celebração da diversidade da música popular brasileira e a liberdade de experimentação são ideais compartilhados entre a cantora e os tropicalistas. Ambos servem-se de outros procedimentos para tecer críticas sociais, que não a estética relacionada ao ideário nacional-popular dos CPCs. Assim, a canção “Lindonéia” – encomendada pela cantora a Caetano Veloso (1942), inspirada no quadro Lindonéia, a Gioconda do subúrbio, do artista plástico Rubens Gerchman (1942-2008) –, contrasta o ritmo passional do bolero com a violência denunciada pela letra e a interpretação indolente da cantora. Da mesma forma, ao gravar, em 1969, o folk “Little boxes” de Malvina Reynolds (1900-1978) com letra em português, Nara faz a crítica à sociedade do consumo não de maneira ácida, como em sua versão original, mas usando de humor e de uma ingenuidade intencional.
A cantora contribui para reavivar o interesse pela bossa nova, num momento de ostracismo do gênero no Brasil, com o lançamento da antologia Dez Anos Depois (1971), gravado após um período de exílio na França e distanciamento das atividades musicais. A diversidade de seu repertório continua viva em todos os seus trabalhos. Avessa ao embate reducionista entre música “engajada” e “alienada” da década anterior, lança em 1978 um disco inteiro com composições de Roberto e Erasmo Carlos. Com Romance Popular (1981), é uma das primeiras artistas do Sudeste a lançar um álbum exclusivamente com compositores nordestinos, como Fagner (1949), Fausto Nilo (1944), Geraldo Azevedo (1945) e Moraes Moreira (1947-2020). Em Nasci para Bailar (1982), explora gêneros dançantes de diferentes estilos musicais.
Transpondo a imagem de mera musa da bossa nova que frequentemente lhe é imputada, Nara Leão desafia convenções e transita por inúmeros gêneros. Por meio de uma escuta aberta e bem-informada, a cantora faz do diálogo entre tradição e modernidade a fonte de sua criação.
Teatro Maison de France
Theatro Municipal do Rio de Janeiro
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