Título da obra: Pintura III


Reprodução fotográfica Romulo Fialdini
A Mulher Que Não é BB
,
1973
,
Waldemar Cordeiro
Reprodução fotográfica João L. Musa/Itaú Cultural
Waldemar Cordeiro. (Roma, Itália 1925 - São Paulo, São Paulo, 1973). Artista plástico, designer, ilustrador, paisagista, urbanista, jornalista e crítico de arte. Nascido em Roma e filho de uma italiana e um brasileiro, é contudo registrado na Embaixada do Brasil, tendo portanto nacionalidade brasileira. Estuda no Liceu Tasso e na Accademia di Belle Arti. No início da década de 1940, durante o regime fascista, convive com membros do Partido Comunista italiano. O vínculo com o comunismo é mantido ao longo de sua vida.
Começa a trabalhar como caricaturista, em 1943, para o jornal satírico Petirosso. Viaja ao Brasil para conhecer o pai, em 1946. Em São Paulo, começa a trabalhar como jornalista e crítico de artes na Folha da Manhã. Em 1947, pinta, com Bassano Vaccarini (1914-2002), os murais de Santa Rita, na Igreja Bom Jesus do Brás, em São Paulo. Retorna à Itália em 1948, momento em que inicia suas primeiras produções abstratas. De volta definitivamente ao Brasil, em 1949, participa da mostra inaugural do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), intitulada Do Figurativismo ao Abstracionismo. Além da pintura e da crítica, desenvolve amplo trabalho no campo do paisagismo. Mesmo mantendo uma postura crítica em relação ao projeto da Bienal Internacional de São Paulo, participa da primeira mostra, em 1951, e de diversas edições subsequentes.
Torna-se teórico e líder do Grupo Ruptura, de caráter concreto, fundado em 1952, com a realização de exposição homônima no MAM/SP e lançamento de um manifesto. Em 1953, inaugura seu escritório de paisagismo, Jardins de Vanguarda. Participa, em 1956, da 1ª Exposição Nacional de Arte Concreta, realizada no MAM/SP. Realiza viagem à Europa em 1964 onde fortalece vínculos com artistas ligados ao Groupe de Recherche d'Art Visuel e se interessa também pela arte pop norte-americana, com forte presença na Bienal de Veneza daquele ano. Começa a série dos Popcretos, com Augusto de Campos (1931). Em 1965, participa da exposição Opinião 65, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ). Em 1968, dá início às pesquisas de arte em computador, em parceria do físico Giorgio Moscati. Em 1971, organiza a exposição Arteônica. No ano seguinte ajuda a criar o Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (IA/Unicamp), dirigindo o Centro de Processamento de Imagens.
Figura central da arte brasileira do século XX, Waldemar Cordeiro consegue como poucos transitar do campo da produção artística para o da reflexão teórica1, tornando-se um dos principais articuladores do concretismo no país e posteriormente abandonando esse rumo em prol de uma arte menos utópica e mais conectada com os desafios de seu tempo.
Ao longo de sua curta porém intensa carreira, Cordeiro explora com afinco e anseio investigativo algumas das principais correntes artísticas do século XX. Sua atenção, a princípio, recai sobre o expressionismo, tendência com a qual se alinham seus primeiros trabalhos. Rapidamente, no entanto, volta seu interesse para a defesa de uma produção de teor abstrato, radicalmente distante da figuração, do naturalismo e de uma visão hedonista da arte (arte para o prazer estético, arte pela arte). Tem a convicção de que cabia à arte o papel de transformar o mundo, não mais por meio da denúncia ou da mera repetição de padrões estéticos antigos, mas da execução do novo. A partir do final dos anos 1940, desenvolve no Grupo Ruptura um trabalho que se opõe tanto ao realismo social - caminho prioritariamente seguido pelos artistas de esquerda no país, como Candido Portinari (1903-1962) e Di Cavalcanti (1897-1973) - como ao caráter possivelmente decorativo do abstracionismo lírico.
Um de seus principais pilares conceituais é a "teoria da pura visibilidade" desenvolvida no século XIX pelo pensador alemão Konrad Fiedler (1841-1895) - que combate a ideia de sensibilidade estética e defende, para a arte, um estatuto de meio de conhecimento tão importante quanto as ciências positivas. O outro é a defesa do engajamento efetivo do intelectual e do artista no projeto de mudança política e social defendido pelo filósofo italiano Antonio Gramsci (1891-1937). Cordeiro também acompanha com atenção especial as teorias da gestalt da forma e os modelos do construtivismo russo e do neoplasticismo. "Defendemos a linguagem real da pintura que se exprime com linhas e cores que são linhas e cores e não desejam ser peras nem homens", afirma em texto publicado em 19492.
A intenção é a de criar uma arte nova, objetiva, racional. Entre os aspectos mais marcantes dessa produção, estão a busca da ordem, a defesa da arte como realidade autônoma, a utilização de materiais e instrumentos derivados da indústria, a reprodutibilidade e a busca de um sentido coletivo (o que explica sua forte sintonia com outras artes aplicadas, como o design e o paisagismo). As cores são sempre as básicas, sem recair num tonalismo pictórico ou expressivo. Cordeiro e seus companheiros pregam a necessidade de se realizar uma arte acessível a todos, na qual o caráter autoral e decorativo dá lugar a uma ação real de transformação estética do mundo. Como sintetiza o crítico Lorenzo Mammì, "o concretismo clássico era baseado na disposição em série de elementos simples, segundo ordens que redundassem num significado unitário e harmônico"3.
Tal ímpeto normativo, que encontra eco na produção de outros artistas brasileiros e estabelece um rico e combativo diálogo com os artistas cariocas do Grupo Frente, acaba em crise, levando os integrantes do Grupo Ruptura a uma profunda reavaliação, a partir dos anos 1960. Cordeiro é um dos que promove a guinada mais radical, passando das pinturas rigorosamente construídas a partir de preceitos matemáticos para um tipo de produção que reflete uma visão mais ancorada nas reais condições sociais enfrentadas no Brasil. Soma-se a isso um novo cenário na arte internacional, com a introdução de movimentos como o pop e o neorrealismo - ambos marcam Cordeiro em viagem que faz à Europa nos anos 1960. Em texto de 1965, o artista reafirma o "fracasso de todas as utopias de fundamento tecnológico". "O irracionalismo do racionalismo abstrato já custou muito caro ao homem do nosso tempo", acrescenta.4 Cordeiro propõe então uma "nova ideia de coisicidade, que coincide com a semiótica", buscando "transformar a banalidade em signos improváveis".5
Politicamente engajado e defensor da arte como elemento fundamental do processo de transformação social, sente o impacto do golpe militar e passa a incorporar uma dimensão fortemente crítica em seus trabalhos, como por exemplo em Popcreto para um Popcrítico ou Subdesenvolvido (1964). Tal experimentalismo contém uma ironia e uma intenção crítica evidentes e amplia de forma bastante ousada o campo da criação artística no Brasil. Hélio Oiticica (1937-1980) atribui a Cordeiro o pioneirismo no que se refere à apropriação de coisas banais do cotidiano. Segundo ele, o popcreto não é "uma fusão de Pop com Concretismo, como o querem muitos, mas uma transformação decisiva das proposições puramente estruturais para outras de ordem semântico-estrutural" e se antecipa de certa forma ao movimento que ele faz, dois anos depois, em 1966, ao "propor uma volta à 'coisa', ao objeto diário apropriado como obra".6
Após a apropriação do objeto e a introdução de questões importantes como a relação entre a obra e o espectador - presente em trabalhos cinéticos como O Beijo (1967) -, Cordeiro faz ainda um terceiro movimento de radicalização em sua pesquisa, elegendo como principal elemento de seu trabalho não mais a coisa concreta, mas a imagem dela, antecipando a importância da imagem virtual, digital, manipulada e transcodificada para a produção artística contemporânea.7
Com as criações em que utiliza a linguagem do computador, exploradas a partir do final da década de 1960, ele realiza uma espécie de resgate em outra escala: "Volto ao ponto de partida. A arte concreta o que fazia: digitalizava a imagem, números, superfícies com quantidades, relacionava essas quantidades, programava os quadros. A execução era artesanal apenas porque não havia indústria alguma que quisesse fazer isso e os artistas não tinham dinheiro para pagar [...] Os quadros concretos poderiam ter sido executados por uma tipografia, por uma indústria, por uma máquina, porque eles tinham na sua base um programa numérico - note bem - como a arte digitalizada."8
Arte essa que se diferencia de boa parte da produção digital de vanguarda, muitas vezes marcada por um otimismo tecnológico. Como diagnostica o crítico Arlindo Machado, Cordeiro introduz "dimensão crítica à computer art, acrescentando às imagens o comentário social que não havia na produção mundial".9 Ousado e coerente, Cordeiro explicita sua postura em depoimento gravado: "Fundamentalmente é uma atitude que conta - uma obra de arte não é um objeto, não é uma coisa, é uma proposta para o homem, uma proposta para a sociedade".10
1. É difícil separar a produção artística e intelectual na trajetória de Cordeiro. Afinal, como sintetiza Anna Belluzzo, "O rigor da compreensão estética enunciada em textos é paralelo ao de suas obras visuais, que podem ser entendidas como experimentos, no sentido lato". In AMARAL, Aracy (coord.). Arte construtiva no Brasil: coleção Adolpho Leirner. São Paulo: DBA, 1998. p. 97.
2. "REVISTA dos novíssimos n.1", em 1949. BANDEIRA, João (org.). Arte concreta paulista: documentos. São Paulo: Cosac & Naify : Centro Universitário Maria Antônia da USP, 2002. p. 17
3. MAMMI, Lorenzo, et al. Op. cit., p. 31.
4. CORDEIRO, Waldemar. "Realismo: musa da vingança e da tristeza". In: Revista Habitat (mai-jun 1965). Apud Ferreira, Glória : COTRIM, Cecília. Escritos de artistas: anos 60/70. São Paulo: Jorge Zahar, 2006. p. 108.
5. Idem, p. 111 e 112.
6. OITICICA, Hélio. Esquema geral da nova objetividade. In: FERREIRA, Glória : COTRIM, Cecília. Op. cit., p. 159.
7. WALDEMAR Cordeiro: a ruptura como metáfora. Texto Helouise Costa, Vivian Boehringer. São Paulo: Cosac & Naify : Centro Universitário Maria Antônia, 2002. p. 34.
8. Depoimento de Cordeiro gravado em 16 de maio de 1970 e citado em WALDEMAR Cordeiro: a ruptura como metáfora. Texto Helouise Costa, Vivian Boehringer. São Paulo: Cosac & Naify : Centro Universitário Maria Antônia, 2002. p. 28.
9. MACHADO, Arlindo. Arte e Mídia. São Paulo: Jorge Zahar, 2007. p. 51 e 52.
10. Idem, p. 36
Reprodução fotográfica Romulo Fialdini
Reprodução fotográfica Edouard Fraipont
Reprodução fotográfica Edouard Fraipont
Reprodução fotográfica Romulo Fialdini
Edouard Fraipont/Itaú Cultural
Reprodução fotográfica Romulo Fialdini
Reprodução fotográfica Romulo Fialdini
Reprodução fotográfica Isabella Matheus
Edouard Fraipont/Itaú Cultural
Edouard Fraipont/Itaú Cultural
Reprodução fotográfica Romulo Fialdini
Reprodução fotográfica Romulo Fialdini
Reprodução fotográfica Romulo Fialdini
Reprodução fotográfica Romulo Fialdini
Reprodução fotográfica Romulo Fialdini
Reprodução fotográfica Romulo Fialdini
Reprodução fotográfica Romulo Fialdini
Reprodução fotográfica Romulo Fialdini
Reprodução fotográfica Romulo Fialdini
Reprodução fotográfica Romulo Fialdini
Galeria San Marco (Roma, Itália)
Biblioteca Municipal Alceu Amoroso Lima (São Paulo, SP)
Galeria Domus
Galeria Domus
Galeria Domus
Biblioteca Municipal Mário de Andrade (São Paulo, SP)
Galeria Prestes Maia
Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP)
Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp)
Pavilhão do Trianon (São Paulo, SP)
Galeria Prestes Maia
Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP)
Galeria Prestes Maia
Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP)
Galeria Prestes Maia
Galeria Prestes Maia
Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP)
Fundação Bienal de São Paulo
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