Título da obra: Eu


Brasiliana Itaú/Acervo Banco Itaú
Reprodução Fotográfica Horst Merkel
Eu e Outras Poesias
,
1912
,
Augusto dos Anjos
Brasiliana Itaú/Acervo Banco Itaú
Reprodução Fotográfica Horst Merkel
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (Cruz do Espírito Santo, PB, 1884 - Leopoldina, MG, 1914). Poeta e professor. Nascido no Engenho Pau d'Arco, propriedade de seus pais, o advogado Alexandre Rodrigues dos Anjos e Córdula Carvalho Rodrigues dos Anjos (sinhá Mocinha), Augusto dos Anjos é alfabetizado em casa e acompanha de perto a lenta e agônica decadência da família. Matricula-se, em 1903, na Faculdade de Direito do Recife, onde toma contato com as doutrinas do cientista alemão Ernest Haeckel (1834-1919), um dos expoentes do cientificismo positivista, que influencia profundamente sua poesia. Formado, em 1907, volta para a Cidade da Paraíba (atual João Pessoa), e passa a dar aulas de português no Liceu Paraibano. Nessa época, publica poemas em jornais locais. Em 1910, casa-se com Esther Fialho, e, após desentender-se com o governador, muda-se para o Rio de Janeiro. No ano seguinte, seu primeiro filho morre prematuramente, o que abala ainda mais sua frágil saúde. Em 1912, financiado pelo irmão Odilon, é publicado seu único livro, Eu. É nomeado diretor de um grupo escolar em Leopoldina e então, em julho de 1914, muda-se para Minas Gerais. Morre em novembro do mesmo ano, vítima de pneumonia. Em 1920, seu amigo e biógrafo Órris Soares (1884-1964) publica a segunda edição de Eu, com vários poemas inéditos.
Com a publicação de Eu, em 1912, a poesia de Augusto dos Anjos tem consagração imediata. Apesar de reações em tom de censura, que condenam as supostas extravagâncias e exotismos, contrários a tudo que é moeda corrente na poesia de então, grande parte da crítica literária nem por isso deixa de reconhecer-lhe o mérito de tamanha originalidade. Estranha e nova: essa é, em suma, a tônica da primeira recepção. O modo destoante dessa poesia em relação ao que é praticado na época leva um crítico como Anatol Rosenfeld (1912-1973) a buscar um paralelo na poesia expressionista alemã - sem que se pudesse sustentar nenhum tipo de contato, muito menos influência direta. Ainda assim, há em comum entre Anjos e poetas alemães como Gottfried Benn (1886-1956), Georg Heym (1887-1912) e Georg Trakl (1887-1914) o emprego do jargão clínico-científico (especialmente da biologia e da fisiologia) para traduzir, materialmente, uma visão de mundo pessimista em termos de doença e decomposição ou negra putrefação. Trata-se, com diz Rosenfeld, de uma "poesia de necrotério na qual se disseca e desmonta 'a glória da criação' [...] [e que] lança o desafio do radicalmente feio à face do pacato burguês, desmascarando, pela deformação hedionda, a superfície harmônica e açucarada de um mundo intimamente podre".
Mas, se a poesia de Augusto dos Anjos não encontra paralelo no parnasianismo oficial ou mesmo no simbolismo (mais à margem), que lhe são contemporâneos no Brasil, as matrizes filosóficas que dão sustentação à sua visão de mundo extremamente pessimista são muito características de sua época e do meio intelectual em que ele se forma. Convergem para tal cosmovisão o monismo da biologia evolucionista do cientista alemão Ernest Haeckel; o darwinismo de Herbert Spencer (1820-1903), autor da expressão "sobrevivência do mais apto"; a filosofia do inconsciente de Karl von Hartmann (1842-1906); e a filosofia niilista da dor e da vontade cega e insatisfeita como fundamento da existência de Arthur Schopenhauer (1788-1860) - entre outros que o poeta paraibano vem a ler durante sua passagem pela Faculdade de Direito do Recife.
Com relação aos aspectos estilísticos da obra e à concepção de conjunto, Lúcia Helena chama atenção para a organicidade do livro, como se os 58 poemas de Eu consistissem num só poema, incansavelmente repensado pelo poeta e perpassado por um traçado épico que lhe confere a forma de uma cosmogonia - ou cosmo-agonia, como prefere a intérprete. Nesse conjunto, José Paulo Paes ressalta a centralidade de um poema como Os Doentes, o mais longo de todos, que funciona como um poema-súmula concentrando todos os temas dos demais. Quanto à linguagem, é ainda Anatol Rosenfeld quem observa que o estranhamento causado pela introdução do termo técnico-científico no domínio da poesia é como "um elemento anorgânico que interrompe o contínuo orgânico da língua, arrebatando-lhe o turvo conformismo. O termo especializado é, precisamente em consequência da sua artificialidade esotérica, um elemento alienígena que revela, através de sua alienação radical e sem concessões, a alienação encoberta da língua histórica" que já não é capaz de exprimir, por sua usualidade ou vulgaridade, o significado de cada coisa. "Augusto dos Anjos fala muitas vezes da angústia da palavra e, certa vez, da esperança de poder 'inventar... outro instrumento' para reproduzir o seu sentimento (Versos de Amor)."
Mais recentemente, Francisco Foot Hardman vem falar de uma estética antitropicalista que irmana a poesia de Augusto dos Anjos, por exemplo, à prosa contemporânea de Euclides da Cunha (1866-1909), aproximação já uma vez estabelecida por Gilberto Freyre (1900-1987). Observa, assim, que a "natureza tropical exuberante nunca inspirou os versos de Eu e outras poesias, que se afastam dela, até heroicamente. As paisagens lhe aparecem marcadas por signos da morte. A exuberância animal ou vegetal já antecipa seus sinais de decrepitude e fim. O excesso de luz solar não é imagem indiciária da vida, mas sim de um poder destrutivo". O alcance crítico da negatividade presente na poesia de Augusto dos Anjos está, segundo Hardman, em marcar "oposição ao otimismo da belle époque carioca, vazado na ideia de a literatura ser 'o sorriso da sociedade' ", como afirma a estética oficial do período. Num livro cujo título enfatiza essa primeira pessoa do singular que constitui a própria matéria do gênero lírico, nota Sérgio Alcides que, paradoxalmente, "o tema da poesia de Augusto dos Anjos é precisamente o fracasso do 'Eu' e a desagregação da subjetividade como valor fundamental da chamada 'civilização' ocidental".
Brasiliana Itaú/Acervo Banco Itaú
Reprodução Fotográfica Horst Merkel
Brasiliana Itaú/Acervo Banco Itaú
Reprodução Fotográfica Horst Merkel
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