Título da obra: A Rainha Diaba

Em 1960, assiste à peça A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar, de Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974). Vianinha convida Fontoura para escrever peças para o Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC/UNE). O autor redige a peça Auto dos 99% (1961), obra que lança a música “Canção do Subdesenvolvido”, de Carlos Lyra (1939) e Chico de Assis (1933-2015).
Em 1962, realiza curso sobre técnicas do cinema direto, com o documentarista sueco Arne Sucksdorff (1917-2001). Em 1964, aceita convite de Eduardo Coutinho (1933-2014) para participar, como continuísta, de Cabra Marcado para Morrer. As filmagens são interrompidas no começo de abril, após o golpe de estado que depõe o presidente João Goulart.
Estreia na direção com o documentário sobre o compositor Heitor dos Prazeres (1898-1966). Em 1967, roda o curta-metragem Ver Ouvir, documentário inspirado no trabalho dos artistas plásticos Rubens Gerchman (1942-2008), Roberto Magalhães (1940) e Antonio Dias (1944). Em 1968, realiza Copacabana me Engana, seu primeiro longa-metragem.
A Rainha Diaba (1973), obra ficcional sobre um criminoso homossexual, recebe vários prêmios no Festival de Brasília: roteiro, fotografia, melhor atriz para Odete Lara (1929-2015) e melhor ator para Milton Gonçalves (1934). Em Cordão de Ouro (1977), aproxima-se das manifestações populares ao centrar a narrativa na capoeira, umbanda e no candomblé. Após hiato de oitos anos, roda Espelho de Carne (1984), duramente criticado pelas cenas de sexo.
A partir do final da década de 1990, realiza filmes para público mais amplo: Uma Aventura do Zico (1998), O Gatão de Meia-Idade (2005); No Meio da Rua (2006). Somos Tão Jovens (2013) é seu último longa para o cinema.
Na TV, Fontoura dirige episódios de seriados para a Rede Globo, como Ciranda Cirandinha (1978), Carga Pesada (1979) e Você Decide (1992-2000), além de colaborar no roteiro das novelas Vidas Opostas (2006-2007) e Amor e Intrigas (2007-2008), ambas produzidas pela Rede Record.
A narrativa, que se aproxima do pequeno-burguês carioca, apoia-se no humor ácido que, por vezes, beira o cinismo. Essa característica, no entanto, não é utilizada para apresentar os personagens de forma positiva. Como observa o crítico José Carlos Avelar (1936-2016), o diretor trabalha com muita propriedade “o sentimento de inutilidade, solidão e impotência, que é o verdadeiro impulso que o filme procura retratar”2.
Por vezes os atores olham diretamente para a câmera, recurso emprestado por Fontoura do cineasta francês Jean-Luc Godard (1930)3. Em um desses momentos, o personagem Marquinhos diz: “Quem gosta de mim sou eu mesmo. O resto é papo de jornal, tudo otário! Mas eu não, eu não!”. Como contraponto aos intelectuais em crise de filmes como Terra em Transe, de Glauber Rocha (1939-1981), e O Desafio, de Paulo Cesar Saraceni (1933-2012), por exemplo, essa breve sequência de Copacabana me Engana acentua o desejo da classe media de aferrar-se ao sistema. O desejo de transformar o país é substituído pela sedução do mundo do consumo.
A Rainha Diaba tem como personagem principal um negro e homossexual, líder de traficantes de entorpecendes. Se o cinema convencional nos acostuma com a imagem dura e violenta dos marginais, Fontoura apresenta uma figura delicada que lidera com crueldade seu bando.
O submundo do crime retratado pelo filme é marcado pelo exagero, que se reflete nas cores fortes, nas roupas e nos ambientes. Esse excesso, no entanto, é bem elaborado pelo diretor, que escapa do kitsch no modo como ordena esses elementos e graças aos diálogos diretos escritos por Plínio Marcos (1935-1999). Para o crítico de cinema Orlando Fassoni (1943-2010), essas características fazem da película “o filme mais barroco, ousado e delirante realizado no cinema brasileiro depois de Macunaíma”4.
Em Cordão de Ouro, elabora uma narrativa fantástica sobre as aventuras de um escravo que luta pela liberdade. O filme entremeia lutas de capoeira, perseguições de helicóptero e uso de armas modernas, recorrendo ao universo mágico das classes populares – umbanda e candomblé – como meios de resistência utilizados contra os opressores.
Espelho de Carne é o retorno ao pequeno-burguês retratado em Copacabana me Engana. Nesse filme, também se identifica o vazio nos personagens: “No isolamento de um condomínio na Barra, tornam-se mais evidentes os vácuos de afetividade e de uma relação produtiva com a vida”5.
A partir do final da década de 1990, Fontoura realiza um cinema mais popular, pretendendo ampliar o contato com o público. Clonagem e futebol aliam-se em Uma Aventura de Zico, fita protagonizada pelo famoso jogador do Flamengo e da seleção brasileira de futebol. O Gatão de Meia-Idade leva para as telas as agruras do personagem criado pelo cartunista Miguel Paiva (1950). No Meio da Rua narra a história de um menino rico que entra em contato com as favelas cariocas, quando sobe o morro para recuperar seu videogame. Com Somos Tão Jovens, o realizador constrói uma cinebiografia do cantor Renato Russo (1960-1996), líder do conjunto Legião Urbana, uma das principais bandas de rock dos anos 1980.
1. RAMOS, J. R. de Andrade. Cursos de geologia completam 30 anos (CAGE: 1957). Anuário do Instituto Geociências. v.11, 1987. p. 7-14.
2. MURAT, Rodrigo. Antonio Carlos da Fontoura: espelho da alma. São Paulo: Imprensa Oficial, 2008. p. 175.
3. MURAT, Rodrigo. Antonio Carlos da Fontoura: espelho da alma. São Paulo: Imprensa Oficial, 2008. p. 57
4. FASSONI, Orlando L. O fantástico bailado dos marginais. Folha de S.Paulo, São Paulo, 7 set. 1977. Ilustrada p. 29.
5. AZEREDO, Ely. Espelho de carne: mutantes na superfície de cristal. In: MURAT, Rodrigo. Antonio Carlos da Fontoura: espelho da alma. São Paulo: Imprensa Oficial, 2008. p. 180
Teatro de Arena (Rio de Janeiro, RJ)
Teatro Phoenix (Belo Horizontre, MG)
Fundação Bienal de São Paulo
Espaço Cultural Fernando Arrigucci
Itaú Cultural
Université de la Sorbonne Nouvelle (Paris, França)
Museu da Imagem e do Som (Florianópolis, SC)
Mairie de Paris
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