Artigo sobre A Constituição de Cidade: duas intervenções opostas (1998 : São Paulo, SP)

Itaú Cultural
Héctor Vigliecca Gani (Montevidéu, Uruguai, 1940). Arquiteto, urbanista e professor. Forma-se na Faculdade de Arquitetura da Universidade da República (Udelar), em Montevidéu, em 1968. Em 1969, ingressa na pós-graduação em urbanismo da Università degli Studi di Roma, retornando à capital uruguaia em 1972. Em 1974, inicia atividade docente na Udelar. Perseguido pelo governo militar, transfere-se em 1975 para o Brasil. Trabalha no escritório do arquiteto Joaquim Guedes (1932-2008) e, a partir de 1976, no Consórcio Nacional de Engenheiros Construtores (Cnec).
Em 1985, vence com Bruno Roberto Padovano (1951) o concurso do Sesc Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. Abandona o Cnec e inaugura o escritório Padovano e Vigliecca Arquitetos. Encerra a sociedade em 1994 e funda com Luciene Quel (1969) o escritório Vigliecca & Associados, em 1995. Em 2005, Ronald Werner Fiedler (1979), torna-se sócio do escritório.
Durante a carreira, Vigliecca é premiado em concursos nacionais e internacionais de arquitetura. É agraciado pela Sociedade de Arquitetos do Uruguai (SAU), em 1977; pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), em 1992; pela 2ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo em 1993; e pela Fundação Mies van der Rohe, em 1998. Neste mesmo ano, é premiado pela nova sede da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Recebe três prêmios em 2003: pelo projeto de modernização do Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães - que inclui Ginásio Geraldo José de Almeida (conhecido como Ginásio do Ibirapuera), Estádio Ícaro de Castro Mello, Conjunto Aquático Caio Pompeu de Toledo, Ginásio Poliesportivo Mauro Pinheiro e Palácio do Judô; pelo Grande Museu do Egito e pela Biblioteca do México José Vasconcelos. Em 2006, é premiado pelo projeto de reurbanização do Complexo Paraisópolis.
Entre 1992 e 1993, retoma as atividades acadêmicas na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Paulista e na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, onde dá aulas de projeto desde 1992. É membro da diretoria do Departamento Paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) desde 2008.
A maior parte dos projetos realizados por Hector Vigliecca é fruto da participação em concursos nacionais e internacionais. O arquiteto destaca-se pela dissonância de seu trabalho em relação à arquitetura realizada no Brasil. Formado em Montevidéu e pós-graduado em Roma, ao desembarcar no Brasil em 1975, traz na bagagem debates sobre o esgotamento do movimento moderno e a necessidade de rever a disciplina arquitetônica. Essas questões estão ausentes do debate brasileiro da época, por causa do sucesso da construção de Brasília (1956-1960) e da política desenvolvimentista adotada pelos governos militares depois do golpe de 1964.
A primeira obra importante do arquiteto, o Complexo Habitacional Bulevar Artigas (1972), é realizada em Montevidéu. Inspirado na produção do grupo inglês Archigram, o conjunto é pensado como estrutura que permite a agregação de novos módulos. A ampliação e a reordenação dos mais de 130 tipos de apartamento, definidos em parceria com a comunidade, viabilizam-se pela própria concepção do projeto. A atenção ao lugar e aos usuários mantém-se como princípio ordenador de seu trabalho.
No Conjunto Habitacional Vila Maria (1991-2003), Vigliecca contrapõe-se aos modelos preconizados pelos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (Ciams) e pela tradição anglo-saxônica dos bairros-jardins. Considera esse tipo de edifícios monótonos, construídos em espaços mal definidos, áridos e desarticulados da malha urbana, típicos da produção financiada pelo Banco Nacional de Habitação (BNH) durante a ditadura militar. Animados pelas obras do italiano Vittorio Gregotti (1927) e dos britânicos Alison Smithson (1928-1993) e Peter Smithson (1923- 2003), os arquitetos recuperam a tradição das ruas-corredor: blocos multifuncionais de quatro a cinco andares, construídos nos limites do lote ao redor de praças internas, articuladas ao resto da cidade por meio de passagens localizadas nas esquinas. Se nessa obra o desenho remonta à cidade tradicional, em outros dois projetos a atenção ao lugar conhece novas expressões.
No Sesc Nova Iguaçu (1985-1992) e na Urbanização do Complexo Paraisópolis (2005), ambos premiados pelo IAB (1985 e 2006, respectivamente), a intenção é dialogar com a periferia do ponto de vista da paisagem natural e da edificada. No primeiro caso, os arquitetos desenham um conjunto de edifícios inspirado nos galpões industriais das redondezas, construído com materiais locais e implantado segundo a geometria do terreno e o desejo de criar praças de articulação com características e ambiências diversas.
Em Paraisópolis, esse diálogo enseja a produção de quatro tipologias habitacionais: edifícios para a área central; edifícios para as encostas; edifícios para os fundos de vale; e conjunto de edifícios para alojar futuros moradores. Essas tipologias suportam a intervenção e a reordenação do bairro, possibilitando menor número de remoções e abertura de um parque linear.
O respeito pelo entorno orienta também o projeto do Grande Museu do Egito (2003): uma extensa cobertura plana dá continuidade à topografia existente e insere-se na paisagem, sem conflitar com as pirâmides do Cairo.
Com a vitória no Concurso Nacional para Modernização do Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães (2003), um campo novo de atuação se abre para o escritório Vigliecca & Associados. A partir de 2008, ele desenvolve estádios de futebol para a Copa de 2014, construídos nas cidades de Campo Grande, Fortaleza, Curitiba e Aracaju. Pela grandiosidade desses projetos, a questão técnica ganha destaque, mas a intenção de “desenhar cidades” revela-se nas praças elevadas desses estádios, misto de belvedere e espaço de lazer.
Dono de vasta produção, Vigliecca sobressai pela capacidade de lançar novas questões à arquitetura e de extrair do lugar os fundamentos de projetos de forte impacto visual e simbólico.
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